Numa decisão histórica, e depois de dois dias de adiamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem, por sete votos a quatro, a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e decidiu que a norma já poderá ser aplicada nas eleições municipais deste ano. Dos 11 ministros, votaram a favor da Ficha Limpa Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto e Marco Aurélio Mello. Já José Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso, o presidente da Corte, foram contra. Políticos condenados em segunda Instância ou por um colegiado e aqueles que renunciaram ao mandato para escapar de uma cassação - como o ex-senador Joaquim Roriz e o ex-presidente da Câmara e atual prefeito Severino Cavalcanti, por exemplo - ficam proibidos de ser candidatos. Para os quatro ministros contrários à lei, ela fere o princípio da presunção de inocência e atinge direitos assegurados pela Constituição. Já Ayres Britto, um dos sete que votaram pela validade da lei, destacou que as novas regras estão em sintonia com os princípios da probidade e da moralidade previstos na Constituição. Movimentos pela ética na política e contra a corrupção comemoraram a decisão do STF
Fichas-sujas já serão barrados
Por 7 a 4, STF decide que Lei da Ficha Limpa é constitucional e vale nas eleições deste ano
Jailton Carvalho, André de Souza
FAXINA ELEITORAL
O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou ontem a polêmica sobre a Lei da Ficha Limpa e reconheceu a validade da legislação, proposta por iniciativa popular e aprovada no Congresso em 2010. Por sete votos a quatro, os ministros do STF mantiveram o principal dispositivo da lei, que proíbe a candidatura de políticos condenados em segunda instância ou por um colegiado. As regras são válidas para as eleições deste ano e deverão ter forte impacto sobre a formação dos novos quadros da administração pública.
Na sessão de ontem, a fase final do julgamento, os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto e Marco Aurélio Mello votaram pela constitucionalidade da lei. Com isso, chegou a sete o número de ministros favoráveis à proibição de candidaturas de políticos de ficha suja. Os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Rosa Weber já tinham se manifestado a favor das novas regras.
Os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso votaram contra, mesma linha adotada por Antonio Dias Toffoli na sessão de quarta-feira. Para os quatro ministros, a lei fere o princípio da presunção de inocência e atinge em cheio direitos políticos fundamentais assegurados pela Constituição. O primeiro a votar na reinício do julgamento, ontem à tarde, Lewandowski reafirmou a constitucionalidade da lei. O ministro é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Importância para a moralidade
Para Lewandowski, a lei foi discutida de forma exaustiva pelo Congresso Nacional ao longo de anos e não contém excessos ou contradições. Para ele, exigir ficha limpa de candidatos a cargos eletivos é uma regra natural importante para a moralidade e a probidade na administração pública, mesmo que o candidato não tenha sido condenado em caráter definitivo. O ministro entende que exigência de um passado sem falta grave se sobrepõe ao direito de um político desonesto de se candidatar a um cargo eletivo.
- Todas as penas foram feitas de forma consciente, absolutamente dosadas pela racionalidade pelo Congresso Nacional, após profunda discussão. Tomo a liberdade de aderir integralmente ao voto do ministro Joaquim Barbosa - afirmou Lewandowski.
Ayres Britto, que também já tinha se declarado a favor da lei em outros momentos, fez uma defesa enfática das restrições às candidaturas de políticos de ficha suja. Para o ministro, as novas regras estão em sintonia com os princípios da probidade e da moralidade previstos na Constituição. Britto argumentou que barrar a presença de políticos desonestos na vida pública brasileira é uma necessidade antiga, que remonta à formação do país.
- Nossa tradição administrativa, política, não é boa nessa matéria de respeito a bens e valores públicos. Me lembro de um trocadilho muito bem posto pelo padre Antônio Vieira sobre os governadores gerais. Ele disse assim: os governadores chegam pobres às Índias ricas (o Brasil era chamado de Índias Ocidentais) e retornam ricos das Índias pobres. Eles saqueavam os tesouros, o erário da nossa colônia. Nossa tradição é péssima em respeito ao erário - disse Britto.
Numa linha oposta à de Ayres Britto, Gilmar Mendes disse que proibir candidatura de pessoas que não foram condenadas em caráter definitivo representa uma absurda violação da presunção da inocência e dos direitos políticos básicos de qualquer cidadão. Para o ministro, nem a ditadura militar foi tão longe numa lei de restrição de direito político com base na ideia de moralidade e probidade. O ministro disse que a lei tem apelo popular, mas nem sempre a opinião pública está correta.
- A meu ver é completamente equivocada a utilização da expressão vontade do povo, opinião pública, para se relativizar o princípio da inocência no âmbito do sistema de inexigibilidades do direito eleitoral. Não podemos proceder a uma tal relativização levando em conta uma suposta maioria popular momentânea que prega a moralização da política à custa de um princípio tão caro à humanidade, que é o principio da presunção da não culpabilidade. Não se deve esquecer que essa tal opinião pública é a mesma que elege os candidatos fichas-sujas - argumentou.
Marco Aurélio, autor de um dos votos mais aguardados do dia, se manifestou a favor do principal ponto da lei. Para ele, a exigência da ficha limpa para candidaturas está devidamente amparada pela Constituição. O ministro entendeu, no entanto, que as regras não podem ser aplicadas a casos anteriores à aprovação do texto, em 2010. Neste ponto, ele acabou se alinhando a Gilmar Mendes, Celso de Mello e Peluso, que foram totalmente contra a lei. Mas as ressalvas do ministro não afetaram o resultado geral. A maioria considerou a lei integralmente constitucional.
Ataques ao caráter retroativo
Celso de Mello também fez duros ataques ao texto. Para ele, as restrições não podem atingir políticos que, embora condenados em órgãos colegiados, têm direito a recursos e podem ver eventuais condenações anuladas ou reformadas por instâncias superiores. O ministro considerou igualmente inaceitável o caráter retroativo da lei. Na sessão de quarta-feira, Mello disse também disse que nem governos autoritários do país criaram uma lei tão dura com o pretexto de moralização da vida pública.
- Não admito que uma decisão ainda recorrível possa gerar inelegibilidade - disse.
O presidente da Corte, Cezar Peluso, terminou o julgamento votando pela inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Segundo ele, não é possível tornar inelegível alguém condenado em órgão colegiado que ainda pode recorrer da decisão.
- O que se quer preservar é a condição do réu antes do julgamento para que ele não seja tratado como era antes da Revolução Francesa - disse.
A decisão do STF também mantém o dispositivo que impede a candidatura de quem renuncia ao mandato para escapar de cassação.
FONTE: O GLOBO
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