Há cerca de 4 ou 5 anos, acertada a realização dos jogos olímpicos de 2016 e confirmado como sede da finalíssima da Copa de 2014, o Rio de Janeiro assumia ares de cidade-oportunidade. Segundo avaliação geral, chegava, enfim, a nossa vez no mundo mágico das cidades-sede, e, rapidamente, um elenco de soluções começou a ser apresentado à sociedade juntamente com a promessa de atração de investimentos
suficientes para resolver alguns dos nossos problemas mais críticos e, sem dúvida nenhuma, de diagnósticos bastante conhecidos.
Dentre as dezenas de projetos apresentados à sociedade, alguns, certamente os mais vitais para a realização dos jogos e partidas acertadas, logo foram ganhando ares de prioridade máxima, e tocados como se fossem de uma obviedade indiscutível. Assim foi com o estádio do Maracanã, recém-reformado e pronto para abrigar quantas partidas fossem necessárias, mas desde cedo incluído na lista dos equipamentos que deveriam passar por obras modernizantes. O fato é que pouquíssimo foi discutido, e uma canetada resolveu redesenhar o maior estádio do mundo, marco da cultura carioca e patrimônio da arquitetura nacional a um custo exorbitante.
Tampouco o problema dos transportes urbanos ganhou a relevância merecida. Um dos problemas mais debatidos pela sociedade e por cujas soluções ansiosamente aguardávamos, a questão dos transportes e da mobilidade urbana, por ser de importância máxima para o sucesso dos mega eventos que terão lugar na cidade a partir de 2014, ganhou, enfim, um plano de ação. Afinal, sem uma rede minimamente eficiente de transportes, correríamos o sério risco de engarrafar turistas e moradores em um congestionamento candidato a mico do século. Eu até arriscaria que o grande problema do Maracanã não se encontrra do lado de dentro, mas do lado de fora. Do jeito que se encontra o sistema de transportes carioca, dada a sua degradação, o maior desafio seria fazer chegar 200 mil pessoas ao estádio sem provocar um colapso na cidade.
Mas vamos lá, confirmada como cidade-sede, surgem as tão propaladas oportunidades. Dada a largada para a construção da linha 4 do Metrô carioca, que ligaria, segundo o projeto original, amplamente discutido pela sociedade carioca, a Barra da Tijuca ao bairro Botafogo, passando pela Gávea e Humaitá, confirmando assim a vocação do sistema metroviário para um tipo de transporte moderno e orientado por um conceito de rede, a integrar diversas regiões da cidade, eis que o governo do estado, em uma manobra pra lá de matreira, esconde os projetos, não discute com a sociedade e apresenta uma ideia de linha 4 completamente dissociada do interesse público e avessa à ideia de redes modais, que afinal havia sido o mote de criação do sistema metroviário do Rio de Janeiro.
Em uma audiência pública repleta de armadilhas e totalmente refratária à participação dos representantes da sociedade civil organizada, ficamos sabendo que o intuito do governo era “ligar” a Barra à zona sul pela estação General Osório, criando assim um corredor de passagem entre a rede hoteleira situada na zona sul e os palcos e arenas a serem construídas ou reformados na Barra e em áreas da zona oeste. A linha 4 será, na verdade, uma continuação da linha 1 do metrô, ligando assim a Barra da Tijuca ao Centro do Rio…
Do ponto de vista do movimento associativo, do qual participo como representante de uma associação de moradores, a gritaria foi grande, embora inócua. Não ganhamos nem a imprensa, nem as ruas, onde fomos categoricamente ignorados. Mas a militância no movimento de associação de moradores já se acostumou a
trabalhar nas famosas planícies, e tem lá suas particularidades. Chova ou faça sol, seguimos em frente mesmo sob o gigantesco manto da invisibilidade. Creio mesmo que uma das maiores virtudes deste novo movimento associativo que se organiza fora das agências do estado, tem sido a dedicação integral e absoluta às discussões e debates sobre os destinos da cidade, o que tem concorrido para criar um clima bastante favorável ao diálogo e à participação popular nestes novos fóruns de debate, regularmente realizados por diversas associações de moradores espalhadas pela cidade.
Não obstante, o poder público – municipal e estadual – tem mantido uma estratégia de atuação cujas decisões tem se pautado por uma absoluta falta de diálogo e transparência, caracterizando uma espécie nova de decisionismo em muito balizada pela lógica da oportunidade. Quando ouvimos alguma justificativa, a coisa se dá mais ou menos assim: os investidores estão aí, com pressa, e se não liberarmos logo eles vão embora e ficamos todos a ver navios… Foi assim com o Maracanã e mais recentemente com o sistema de transportes metroviário da cidade. Há uma razão maior que a própria razão a animar as iniciativas que visam a qualificar o espaço urbano com vistas a dotar a cidade de equipamentos capazes de sediar mega eventos esportivos, culturais etc.
Mais uma vez ficamos de fora das decisões… Nós, o movimento associativo, o Clube de Engenharia, o CREA… enfim, todos os que elaboraram algum tipo de avaliação crítica sobre o futuro do sistema metroviário da cidade. E o pior, acho que a sociedade carioca ainda não se deu conta do que está acontecendo. Uma mistura de extremo decisionismo por parte do governo e subserviência da grande imprensa configura um cenário de desinformação e pasmaceira. Tenho dito por aí que esse será o nosso legado. Inúmeros serão os benefícios que virão com as Olimpíadas etc, mas para os movimentos associativos com sede na cidade do Rio de Janeiro, a denúncia de um tipo de atuação do poder executivo de caráter anti-democrático, avesso ao diálogo, decisionista e com foco apenas no aspecto macroeconômico pode se constituir em um ensinamento capaz de nos nortear por esta caminhada que, voluntariamente, decidimos trilhar. Só a crítica deste modelo de desenvolvimento da cidade poderá nos credenciar para continuar a levar a cabo as tarefas que nos dispomos a realizar, afirmando a participação cidadã como motor do processo de construção de uma sociedade mais democrática e acolhedora.
* Micro empresário, presidente da Associação de Moradores e Amigos de Copacabana e Adjacências – AMACOPA e membro do movimento Metrô que o Rio Precisa.
FONTE: BOLETIM CEDES – JANEIRO/MARÇO 2012
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