quinta-feira, 1 de março de 2012

Baião de dois:: Raquel Ulhôa

Vai levar um tempo para o PT de São Paulo sair das cordas, depois do golpe do prefeito Gilberto Kassab. Golpe que, de resultados tão bons para José Serra, parece fruto de estratégia montada lá atrás, pelos dois, para trazer o ex-governador tucano de volta à cena política como dono da situação.

A articulação de Kassab encurralou o PT, mas teve também efeito interno, no PSDB. Deu a Serra posição privilegiada na relação com o governador Geraldo Alckmin e com o comando do partido. A demora no anúncio da candidatura e a aproximação de Kassab com o PT conseguiram angustiar o governador e o partido. A reeleição de Alckmin em 2014 e a sobrevivência do PSDB estão em jogo.

Um lançamento antecipado de Serra, num ambiente sem ameaça de Kassab apoiar o petista Fernando Haddad, talvez deixasse o tucano à mercê do empenho de Alckmin na campanha. Mas, ao se apresentar quando o jogo era considerado quase perdido, Serra apareceu como espécie de salvador do PSDB. E uma candidatura competitiva em São Paulo tem repercussão nacional.

"Serra e Kassab são almas grudadas", diz um petista de São Paulo, inconformado com o fato de o partido não ter previsto a intenção do prefeito e presidente do PSD, ao se aproximar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Era óbvio demais. Kassab e o PSD não seriam nada sem São Paulo. E Serra não poderia prescindir de concorrer à Prefeitura de São Paulo. Antes, ele tinha apenas o Twitter. Agora está a cavaleiro", avalia.

Justiça seja feita, os recentes lances da disputa eleitoral em São Paulo confirmam teses defendidas pela senadora Marta Suplicy (PT-SP) desde o início de 2011, contrariando os cenários de então. Num momento em que Serra negava de pé junto a intenção de concorrer, ela afirmava que ele acabaria saindo candidato. E, quando o prefeito deixava um partido de oposição (DEM) para criar outro com tendências governistas, ela avisava: ele está a serviço do Serra.

Foi apostando nesse quadro que ela lançou a pré-candidatura, acreditando ser, com a experiência de ex-prefeita, o nome mais competitivo do PT para enfrentar Serra e confrontar a administração de Kassab. Lula e o PT não deram crédito. Lula escolheu Haddad, nunca testado nas urnas, e o PT aceitou. O passo seguinte do ex-presidente foi a aproximação com Kassab.

O prefeito tão combatido pela militância petista foi recebido na convenção do partido, em Brasília. Recebeu vaias de uma parte dos presentes, é verdade, mas também gestos simpáticos da presidente Dilma Rousseff. As vaias não o abalaram. Haddad, com apoio de Kassab e até então sem adversário forte do PSDB, despontava como favoritismo.

O tempo fechou para o PT quando Serra decidiu disputar. Sem constrangimento, Kassab anunciou mudança de planos. Ficaria ao lado do tucano - como, aliás, desde o início tinha avisado que faria, se ele fosse candidato. Mas ele garantia a Lula que Serra era categórico ao rejeitar a ideia. "Acreditamos no Kassab", diz um petista revoltado.

O presidente do PSD deu um nó na campanha do PT. Como avaliou o senador Aécio Neves, deixou Haddad sem condições de fazer oposição ao prefeito na campanha. Como é que o PT vai justificar que Kassab servia como aliado, mas como adversário só tem defeito?

A aposta na parceria com o prefeito paralisou o PT. Ele perdeu tempo na busca de outras alianças. Com isso, a cotação dos indecisos aumentou no mercado. Agora, Dilma está sendo acionada a atender partidos da base, como o PR, que quer retomar o Ministério dos Transportes.
Ao aproximar-se de Lula, Kassab conseguiu outro feito: mascarar a avaliação negativa de sua gestão (42% dos paulistanos consideram a administração ruim ou péssima, segundo pesquisa). Um petista pergunta: "Quem vai falar mal dele, de braço dado com Lula?"

Pelo conjunto da obra, o prefeito está sendo considerado um mestre da política, mesmo deixando insatisfeita muita gente no PSD, que queria entrar logo no governo Dilma. A jogada de Kassab levanta dúvidas sobre a propalada habilidade de articulação de Lula.

O pessimismo começa a rondar o PT. O líder do partido na Câmara, Jilmar Tatto, defendeu aliança com o PMDB, ainda que seja à custa da cabeça de chapa. Irritou o partido. A própria Marta, que teve suas teses confirmadas pelos fatos e foi preterida por Haddad, em conversas com interlocutores, defende outra postura: admitir o erro (como ela fez em sua página no Twitter), se reagrupar e seguir em frente.

Mas não é considerada fácil. Serra tem a seu lado as máquinas municipal e estadual, ferramentas para atrair aliados, o que significa mais tempo de televisão. Haddad tem o governo federal, mas Dilma havia sinalizado, anteriormente, que não permitiria o uso da máquina a favor de candidaturas. A conferir. Haddad tem o apoio de Dilma, mas ela terá dificuldade de subir em seu palanque, ao menos no primeiro turno, já que o vice-presidente, Michel Temer, é o principal padrinho de Chalita.

Há dúvidas quanto ao discurso de Haddad, neófito em campanha eleitoral, como oposição à prefeitura. Depois do flerte de Lula com Kassab, apenas Marta não teria constrangimento em bater no prefeito. Afinal, ela deixou claro desde o início que era contra essa aliança.

Segundo dirigentes do PT, ao ungir Haddad, Lula está trabalhando na renovação do partido. Mesmo perdendo, o ex-ministro da Educação faria parte de uma nova geração de petistas em ascensão. Boa parte dos fundadores do PT está fora de combate, a maioria por envolvimento - ou suspeita de envolvimento - em casos de irregularidades.

Aposta arriscada, que pode atrasar o projeto do PT de recuperar a prefeitura, mas dar resultado futuro. O momento favorece Serra. Um dos riscos, para ele, é não convencer o eleitorado da disposição de cumprir o mandato na prefeitura. Por isso, já começou a campanha. Ontem, disse que o projeto presidencial está adormecido até 2016.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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