segunda-feira, 19 de março de 2012

Faxina no Congresso

Dilma Rousseff isola parlamentares aliados do PMDB e do PR que impuseram ao governo sua primeira derrota política e que ameaçam se rebelar por cargos e verbas

Daniel Pereira

No primeiro ano de mandato, a presidente Dilma Rousseff demitiu seis ministros acusados de corrupção, tráfico de influência e desvio de dinheiro público. A decisão atingiu auxiliares herdados da gestão Lula e contrariou os principais partidos governistas, como PT, PMDB e PR, mas não resultou em crise política. Pelo contrário, a presidente angariou dividendos com a faxina ética que foi forçada a realizar na Esplanada. Com as mudanças, marcou uma diferença fundamental em relação ao antecessor, que passava a mão na cabeça de correligionários e aliados pilhados em irregularidades. Além disso, ela conquistou a aprovação de setores da população que lhe negaram voto nas eleições de 2010. De quebra, conseguiu com as exonerações em série - acompanhadas de trocas em estatais e cargos de escalões inferiores - retomar para o governo fatias da máquina pública que eram dominadas havia anos por esquemas partidários de arrecadação. Dilma venceu embates travados com velhas raposas acostumadas há décadas a tomar conta da rés pública.

Até agora a faxina no Executivo funcionou como um dínamo do capital político e eleitoral de Dilma. Na semana passada, ela decidiu estender a limpeza ao Poder Legislativo. Um movimento muito mais arriscado, considerando-se o extenso arsenal à disposição dos parlamentares para atrapalhar qualquer presidente da República. O plano foi posto em marcha com a substituição dos líderes do governo na Câmara e no Senado. As mexidas eram pensadas por Dilma desde o ano passado. Saíram do papel agora porque os senadores deram a ela um pretexto ao rejeitar a recondução de Bernardo Figueiredo ao cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em resposta ao resultado da votação, Dilma destituiu Romero Jucá da liderança no Senado, substituindo-o por Eduardo Braga. Um peemedebista por outro, mas dois peemedebistas diferentes. A saída de Jucá representa um golpe no grupo formado por ele, Renan Calheiros e José Sarney. Eles dão as cartas no Senado há uma década. Ex-governador do Amazonas, Braga era adversário do trio nas trincheiras internas do PMDB. Ao assumir a liderança, ele reduz as chances de Renan voltar à presidência da Casa em 2013.

"Não queremos mais o Brasil dos Sarneys, dos Renans, dos Jucás", diz um auxiliar da presidente. Dilma debitou na conta da trinca de comando do PMDB o veto a Figueiredo, que era uma escolha pessoal dela. O trio teria votado contra a recondução do diretor da ANTT para pressionar o governo a atender aos pedidos de sempre: emendas, cargos e demais benesses oriundas da caneta presidencial. A presidente estaria determinada a renovar as práticas políticas no país não apenas por instintos republicanos, mas, sobretudo, movida pelo pragmatismo. Combater o fisiologismo é uma velha demanda nacional. Políticos tarimbados, o tucano Fernando Henrique Cardoso e o petista Lula nem sequer tentaram cumprir essa missão. Cada um a seu modo, refestelaram-se no jogo que era jogado. Segundo recentes pesquisas de opinião que chegaram ao Planalto, as pessoas gostam quando a presidente afasta corruptos e fisiologistas notórios. A nova classe média, sonho de consumo dos candidatos nas eleições de 2012 e 2014, é o grupo que mais valoriza as vassouradas de Dilma.

Desde julho de 2011, quando denúncias de cobrança de propina no Ministério dos Transportes levaram à demissão do então ministro Alfredo Nascimento, o PR ameaçava abandonar a base aliada do governo. Ameaçava, ameaçava, ameaçava, até que, na semana passada, os sete senadores do partido resolveram se rebelar. "Nossa posição é não mais apoiar nem acompanhar o governo no dia a dia", disse o senador Blairo Maggi, líder da bancada. Foi uma reação à decisão da presidente de não devolver ao partido o comando do Ministério dos Transportes. Tão logo foi avisada da decisão do PR de aderir à oposição, Dilma mandou suspender as conversas com o partido. O portador do recado foi o novo líder do governo no Senado, Eduardo Braga. Amigo de Lula e do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, Braga tem traços de comportamento parecidos com os da presidente: cobra resultados, é estudioso, duro nos debates e gosta de uma boa briga. "Não tenho queixo de vidro", jacta-se. "Prefiro passar dez minutos vermelho a ficar amarelo a vida inteira", acrescenta, prometendo não se intimidar diante dos problemas que se avizinham.

O enfrentamento do governo com os aliados também chegou à Câmara, com a indicação de um novo líder, o petista Arlindo Chinaglia, que substituiu o petista Cândido Vaccarezza. Mais um talhado para o confronto, Chinaglia carrega a fama de não ser, nem de longe, um poço de docilidade. Ex-presidente da Casa, sempre nutriu o desejo de voltar a esse posto. Ao escolhê-lo como líder, Dilma disseminou entre os peemedebistas a sensação de que pode implodir o acordo firmado entre PT e PMDB que prevê a posse na presidência da Câmara, em 2013, do deputado Henrique Eduardo Alves. Líder peemedebisra e braço direito do vice-presidente Michel Temer, Henrique Alves está em baixa no Planalto. É visto como porta-voz das demandas mais fisiológicas do partido e um instrumento a serviço de deputados de péssima reputação. "A Dilma está operando para mudar os interlocutores e o eixo da política. Ela está esvaziando os velhos caciques e suas práticas danosas ao país", diz uma estrela petista. É muito cedo para atestar a veracidade da declaração. Mais cedo ainda para saber se a ofensiva pela moralização do Congresso, que fustigou o PMDB e o PR na semana passada, atingirá também o PT, cujos ministros - com exceção de Antonio Palocci - sempre contaram com uma blindagem especial da presidente da República.

FONTE: REVISTA VEJA

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