segunda-feira, 19 de março de 2012

O Lula de Braga:: Ricardo Noblat

"Chegou o momento de novas práticas na política. A política do "toma lá, dá cá" está no passado". (Eduardo Braga)

Nada de rir. Tente levar a sério o que Eduardo Braga (PMDB-AM), novo líder do governo no Senado, diz ter ouvido diretamente de Lula ao visitá-lo na última sexta-feira: "O momento é de transformação. O país vive uma nova realidade econômica e social, por isso é fundamental a renovação e a instituição de novos métodos e práticas políticas".

Lula disse o que Braga lhe atribui ao comentar a decisão de Dilma de confrontar os partidos que a apoiam substituindo os líderes do governo no Senado e na Câmara dos Deputados – Romero Jucá (PMDB-RR) e Cândido Vaccarezza (PT-SP). Ainda teria acrescentado: "A Dilma está certa. Vale a pena essa luta, porque essa é a boa luta."

Espantoso! O Lula de fala coloquial tão conhecido deu lugar ao Lula de português escorreito. O Lula responsável pelo fisiologismo levado ao extremo parece arrependido do que fez. O Lula que montou uma robusta coalizão de partidos para eleger seu sucessor agora anima Dilma a enfrentá-la. Você acredita nisso?

Salvo os presidentes-generais que dispunham de armas, os demais governaram com o apoio de partidos. Havia gente mais qualificada nos partidos. E limites mais estreitos para o fisiologismo. Lula bagunçou tudo para eleger Dilma. Os partidos sentem falta dele. Do velho Lula. O novo, de Braga, está sob o efeito de remédios.

Deputados e senadores evitam confessar que estão estupefatos. Com essa não contavam — uma presidente sem receio de enfrentar o apetite irrefreável deles por cargos, liberação de emendas ao Orçamento da União e favores em geral. O que ela pensa que é? Uma versão de saias de Fernando Collor de Melo?

Comparar Dilma com Collor como fez o próprio Collor na semana passada é um tremendo despropósito. O ex-presidente penitenciou-se de ter mantido distância do Congresso enquanto governou. Aconselhou Dilma a não se comportar como ele. E lembrou-se, melancólico, do seu fim humilhante — o impeachment.

Collor esqueceu que foi derrubado porque prevaricou. Ou porque lhe acusaram de ter prevaricado. Roubou-se muito nas suas vizinhanças e sob seu rosto impassível e bem escanhoado. Quanto a ter tratado o Congresso com desprezo, está certo — de fato o fez. E também está certo em chamar a atenção de Dilma para que não proceda assim.

Na época, empresários ligados a Collor armaram uma operação financeira no Uruguai destinada à compra por aqui de votos de deputados e senadores. Imaginavam abortar o impeachment. A poucos dias da queda de Collor, porém, grande parte do dinheiro permanecia estocada em Brasília. Não havia mais parlamentar à venda.

Diante do forte sentimento popular favorável à deposição, quem teria coragem de pôr a cara na TV para defender o presidente? Quem agora teria coragem para discursar no Congresso criticando uma presidente campeã de popularidade? Pouco importa que a popularidade original de Dilma derive da de Lula — a dela, hoje, é maior do que a dele.

Enquanto estiver de bem com o distinto público, Dilma poderá ficar de mal com militares da reserva contrários a investigações sobre a ditadura de 64, evangélicos e católicos furiosos com o abrandamento da posição oficial antes refratária ao aborto, ruralistas, ministros de Estado e partidos. E tudo ao mesmo tempo.

Por temperamento, cálculo ou os dois, Dilma ambiciona quebrar velhos paradigmas da política brasileira — quiçá da universal. Um deles manda que se faça política com muita saliva — Dilma só gasta a dela para esporear quem a irrita. Outro cobra paciência, muita paciência a quem se envolve com política. Dilma tem paciência zero.

Ninguém governa sozinho. Procura cercar-se de auxiliares eficientes. Dilma governa sozinha. Seu ministério é medíocre. Ela, que não gosta e não sabe fazer política, escalou auxiliares que gostam de política, mas que também não sabem fazê-la. Ainda assim seu governo chegará a bom termo? A ver. Por ora, o clima no Congresso é de revide.

FONTE: O GLOBO

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