sexta-feira, 25 de maio de 2012

Um país em duas velocidades:: Vinícius Torres Freire

Há mais salário, emprego e consumo no pequeno varejo, mas investimento e produtividade afundam

A indústria parou de crescer faz mais de ano. O investimento (em fábricas, máquinas, instalações produtivas) deu com a cara no chão no primeiro trimestre. O conjunto da produção econômica, o PIB, não aumenta quase nada faz três trimestres. Mas os salários, "ó", continuam crescendo em ritmo paradoxal.

É o que se depreende da pesquisa de emprego do IBGE, divulgada ontem, e dos indicadores mais gerais de atividade econômica para o primeiro terço deste ano de 2012.

A massa salarial, o conjunto dos salários pagos, era em abril 8% maior que em abril de 2011, descontada a inflação. O desemprego continua caindo a mínimas recordes.

No trimestre final de 2011, o crescimento da renda do trabalho havia desacelerado violentamente, no mesmo compasso do conjunto da economia. Outubro então parecia ter sido o fundo do poço. Para os salários, foi. Mas a atividade econômica, a produção, ainda se arrasta.

O paradoxo: por que a freada econômica não afetou o emprego? O que se passa nessa economia manca, que anda em ritmos diferentes?

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e agora consultor com empresa própria, usa a expressão "em dois tempos" em relatório de ontem. O termo, aliás, tem pipocado em várias economias em que houve valorização forte da moeda, o que acabou por prejudicar setores como indústria e turismo, por exemplo (como na Austrália e noutros exportadores de matérias-primas, como nós).

Mas Schwartsman não trata de câmbio. Observa, como é óbvio, que a produtividade geral da economia parece cair: a produção cresce pouco e o emprego cresce muito (gera-se menos produto por trabalhador).

Outra hipótese indicada pelos dados (muito emprego, pouca produção) é que talvez a capacidade de o Brasil crescer sem gerar inflação extra seja menor do que a gente imagina (o produto potencial, o ritmo duradouro de crescimento, seria menor do que o ora estimado).

Ou seja, se houver retomada econômica e mais demanda de trabalhadores, haverá mais inflação (como a oferta de trabalho é escassa, se a procura aumenta, os salários tenderiam a subir demais).

Uma terceira hipótese: talvez a medida do PIB não capte bem o crescimento do setor de serviços, que vai bem. Estaríamos crescendo mais, mas não sabemos disso.

Pode ser também, especule-se, que a presente baixa de produtividade seja um desvio temporário e, pois, ilusório, para o bem ou para o mal. Isto é, pode ser que em breve a economia volte a crescer, a produzir mais, com a mesma quantidade de trabalho (grosso modo, a produtividade subiria). Ou pode ser que, a continuar o marasmo produtivo, comecem as demissões.

Os empresários estariam, pois, à espera do que vai acontecer, "represando" trabalhadores enquanto não fica claro se a economia vai acelerar ou parar de vez.

Sim, tudo especulação. O governo, por sua vez, especula que basta destravar o crédito, represado pelos bancos, que a economia volta a girar mais rápido, pois a renda dos trabalhadores é crescente, embora no momento mais dirigida a compras no varejo. Com a volta do crédito para bens mais caros, haveria ânimo para a indústria, o que por sua vez estimularia também o investimento. Se a crise mundial não vier.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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