A coleta de lixo sempre vai ser mais importante para um eleitor e o aumento do número de creches para outro, mas é em busca de uma cidade melhor que ambos vão às urnas em outubro. Se o eleitor tem motivações locais, os partidos organizam-se para conquistá-lo em função de uma estratégia de poder que extrapola os limites do município.
PT e PSB estão abrigados numa aliança nacional em que lateja um conflito. A estratégia de um para manter-se no poder colide com a ambição do outro de conquistá-la. Foi isso que veio à tona nas tratativas da sucessão municipal em São Paulo e no Recife.
Quando, no mesmo lance, fecha chapa com Fernando Haddad na sucessão paulistana e abre a possibilidade de ter candidatura própria na recifense, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, deixa claro que seu compromisso é com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não com o PT.
Um pretende manter o poder e o outro, conquistá-lo
Se foi Lula quem inventou Haddad em São Paulo, foi o PT quem impôs o senador Humberto Costa como candidato petista no Recife.
Foi num clima de República Velha que o PT fez as prévias naquela cidade entre o atual prefeito João da Costa e o deputado federal Maurício Rands. Ao cancelá-las, depois de tantos indícios de fraudes, a direção nacional conseguiu o que parecia impossível, piorar a situação do partido na cidade. A decisão de lançar o senador Humberto Costa como tertius da disputa foi entendida no Palácio do Campo das Princesas como uma reação da direção nacional à proximidade entre o governador e Rands.
Com a decisão de Campos de lançar quatro nomes à discussão da frente de 14 partidos, entre os quais o PSB, que estão na prefeitura desde 2001, parece claro que Humberto Costa não terá o apoio do governador. E como do prefeito, que agora cultiva a imagem de vitimizado pela direção nacional, não deve esperar outra coisa senão o boicote, Humberto Costa parte para a disputa contando com Lula como único cabo eleitoral.
Não seria a primeira vez que Lula e Campos estariam em palanques opostos. Em 2006, quando disputou pela primeira vez o governo do Estado, Campos derrotou Humberto Costa para ir ao segundo turno e só então teve o apoio explícito do então presidente.
Desta vez, se confrontariam como cabos eleitorais. E o retrospecto não é bom para nenhum dos dois.
Desde a redemocratização, governador de Pernambuco nunca elegeu prefeito da capital. O único partido a permanecer por mais de um mandato à frente da cidade rebelde foi o PT, que a administra desde 2000.
A jogada de alto risco de Campos tem como base seu retrospecto eleitoral de governador mais bem votado do país (82%) e a confiança de que seu candidato pode ser beneficiário do desgaste do PT potencializado pelo desastre das prévias.
Dos quatro secretários estaduais que Campos desincompatibilizou na semana passada, nenhum tem histórico eleitoral representativo.
O PT conquistou Recife antes de Lula chegar ao Planalto e seus dois mandatos subsequentes na capital são antes consequência da popularidade de João Paulo, o prefeito que se reelegeu e fez o sucessor, do que do prestígio do petismo presidencial.
Em 2010 Marina teve no Recife uma de suas melhores votações e ofuscou a ofensiva de Lula por Dilma na capital. A presidente teve 42% dos votos recifenses, abaixo dos 47% de sua votação nacional.
Ao lançar-se com candidato próprio na disputa, estimulando o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), a fazer o mesmo em Fortaleza, também contra um prefeito petista, Campos vai aumentar a indisposição da direção nacional do PT, que já vê com desconfiança suas ambições eleitorais.
As relações entre os dois partidos sempre tiveram como avalista a proximidade entre Lula e Campos, a despeito das pressões mútuas de seus correligionários de que um pode viver sem o outro.
Foi o avô de Campos, Miguel Arraes, que ofereceu a Lula o palanque de encerramento da campanha presidencial de 1994, quando o Brasil inteiro se curvava à força eleitoral do Real. Feito ministro, Campos licenciou-se do governo para integrar no Congresso a tropa que salvou a pele de Lula no mensalão.
Eleito governador, seu Estado, bombardeado por investimentos federais, produz recordes sucessivos em crescimento econômico.
Nesse período, Campos investiu em seu próprio partido. Foi o que mais cresceu em prefeituras em 2008 e dobrou o número de governadores dois anos depois.
Joga para chegar ao Palácio do Planalto com o discurso pós-PT em que os tucanos custam a engrenar. Vai colocar um prêmio de gestão pública que receberá da ONU no fim do mês debaixo do braço para se vender como o "cara de esquerda que sabe fazer".
Joga para ocupar o vácuo que vai se abrindo na oposição. Nesse ponto futuro que hoje parece mais facilmente situado em 2018, é no campo conservador que seus atuais aliados petistas pretendem colocá-lo. Não escapará de ser associado ao "neocoronelismo", especialmente pelo empenho dedicado a eleger a deputada Ana Arraes, sua mãe, a uma vaga no Tribunal de Contas da União.
Para vacinar-se contra o discurso petista, Campos aqui e ali arruma um jeito de mostrar-se como fruto da velha esquerda pernambucana que combateu a ditadura antes de o PT existir. Convidou para integrar a Comissão da Verdade no Estado, por exemplo, um ex-secretário de Justiça do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB).
O senador foi a última grande liderança do Estado a resistir a Campos. Ao iniciar o processo de reaproximação com seu sucessor, foi Jarbas quem mais claramente antecipou os movimentos de Campos se suas ambições pretendem cruzar o rio S. Francisco. Disse que o governador deve preservar a boa relação que tem com Lula e Dilma mas, para se consolidar como um nome nacional, precisa sinalizar suas diferenças em relação ao PT. Parece que é esse roteiro que está em curso. Resta agora combinar com o eleitor. Tanto o que quer mais creches quanto aquele que prefere ruas mais limpas.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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