sábado, 29 de setembro de 2012

Vícios que viram virtudes - Hélio Schwartsman


Depois de algumas sessões em que reinou uma falsa paz no Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão, voltou a estrilar com o revisor, Ricardo Lewandowski. Palavras fortes foram usadas.

Já escrevi neste espaço que não vejo as desavenças e mesmo o ódio entre membros de uma corte colegiada como problema. Ao contrário, penso que são um sinal de que o órgão é suficientemente plural e de que seus integrantes estão, de fato, empenhados na missão que lhes foi confiada. A cizânia torna a convivência difícil, mas é uma garantia de que o tribunal não cairá facilmente nas armadilhas da conformidade de grupo.

Aqui, a rudeza, vista como defeito no âmbito individual, se converte em qualidade no contexto de uma corte da qual se exige diversidade. É uma variação do célebre "vícios privados, benefícios públicos", imortalizado por Bernard Mandeville.

O caso clássico é o da cobiça que, submetida às dinâmicas do mercado, se transforma numa força que promove inovação e redução de preços via concorrência. Mas há outros.

A tão malfalada fofoca -que, ainda hoje, descrevemos de modo pejorativo como característica feminina- foi, na verdade, o primeiro mecanismo de socialização especificamente humano. Embora jornalistas não gostemos de admiti-lo, boa parte de nosso serviço é atualizar a futrica para uma sociedade de massas.

O humor, em especial aquele de piadas cortantes, que pode mobilizar os piores preconceitos, também entra nessa categoria. O riso que ridiculariza é horrível se aplicado como forma de "bullying" contra uma criança indefesa, mas pode ser uma arma bastante efetiva para desacreditar e até derrubar tiranos.

Antes de imprecar contra este ou aquele magistrado, convém perguntar se seus defeitos privados não estão, paradoxalmente, contribuindo para resolver a contento uma relevante questão pública.

Fonte: Folha de S. Paulo

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