Há 20 anos, a Câmara
aprovava o impeachment de Fernando Collor, com petistas, hoje no banco dos réus
do mensalão, à frente do movimento que derrubou o presidente. Collor, defendido
à época por Roberto Jefferson, ainda é réu no STF, acusado de ter favorecido
empresas de publicidade
Duas décadas após ser
afastado, Fernando Collor de Mello ainda responde no Supremo Tribunal Federal
por crimes como corrupção e peculato praticados durante a sua gestão na
Presidência
Vinte anos
depois...
Francisco Leali, Vinicius Sassine
BRASÍLIA - Vinte anos depois de entrar para a História como o primeiro
presidente da República a ser afastado do cargo por crime de responsabilidade,
o agora senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) ainda tem contas a acertar
com a Justiça brasileira. O ex-presidente é acusado de cometer corrupção
passiva, peculato e falsidade ideológica no Supremo Tribunal Federal (STF),
mesma Corte que hoje julga o escândalo do mensalão no governo Lula -que reúne
no banco dos réus aliados e algozes de Collor, como o presidente do PTB,
Roberto Jefferson, e o ex-ministro José Dirceu.
Os crimes teriam sido praticados quando Collor ocupava a Presidência. Desde
outubro de 2009, o processo está parado no gabinete da ministra Cármen Lúcia. O
procurador da República autor da denúncia, Luis Wanderley Gazoto, acredita que
dois dos três crimes imputados a Collor - corrupção passiva e falsidade -
possam estar prescritos. No caso de peculato, o ex-presidente só não se
beneficiaria com a prescrição em caso de condenação à pena máxima de 12 anos de
detenção, conforme o procurador.
Collor se livrou em 1994 do processo de corrupção. Por 5 votos a 3, o STF
entendeu que não havia provas de seu envolvimento com as operações de
arrecadação ilegal de dinheiro comandadas por Paulo César Farias, o
ex-tesoureiro da campanha presidencial de Collor. Faltou um ato de ofício para
configurar que o então presidente da República tinha sido de fato corrompido.
No julgamento do mensalão, o argumento jurídico que absolveu Collor está
sofrendo uma ligeira mudança em sua interpretação. Os ministros do Supremo
entendem agora que o ato precisa ser apontado, mas não precisa necessariamente
ter se consumado.
A sessão histórica da Câmara que aprovou o impeachment do presidente começou
às 9 horas do dia 29 de setembro de 1992, com 62 deputados no plenário. Até a
hora de votação, à tarde, o quorum chegaria a 480 presentes. Mais de 80
deputados se inscreveriam para falar até que o presidente da Câmara, Ibsen
Pinheiro (PMDB-RS), anunciasse o resultado final: 441 votos pelo impeachment de
Collor, 38 contra e uma abstenção. No plenário estavam nomes como Aécio Neves,
José Serra, Nelson Jobim, Ulysses Guimarães, José Dirceu, José Genoino, Roberto
Freire, Luis Eduardo Magalhães. À exceção do último, todos do mesmo lado:
pró-impeachment.
Vigésimo quarto orador a falar, o hoje réu no processo do mensalão José
Dirceu pregou em defesa do combate à corrupção. Na época era secretário-geral
do PT, partido que hoje tem o senador Collor como aliado no Congresso:
- O que necessitamos no momento é de uma profunda reforma institucional que
elimine da legislação eleitoral partidária as raízes e as causas da corrupção
eleitoral, que elimine da legislação penal e tributária brasileira a base para
os crimes eleitorais, para a corrupção e, principalmente, para a impunidade.
Outros se sucederam. Na oposição, o PSDB defendeu a saída de Collor. Do
então deputado José Serra veio o discurso mais contundente.
- O presidente da República não está sendo derrubado pelos seus adversários
nem por cartórios organizados. Está sendo destituído pela marcha da insensatez
que ele próprio deflagrou a partir da posse. São os fatos, a dura realidade dos
fatos, e não a astúcia de seus opositores, que o condenam - disse Serra.
Do alto da tribuna, Nelson Jobim, relator do processo contra Collor, deu
ares jurídicos e políticos ao caso. Citou o que fora apurado na CPI do PC e
vaticinou:
- No início eram boatos em relação à conduta do senhor presidente da
República. Logo a seguir, após o depoimento público do irmão, teve início um
outro momento, o da comissão parlamentar mista de inquérito. Foi com ela que a
nação começou a ficar perplexa. Lá foram expostos fatos, feitos desmentidos,
comprovadas contradições e realizadas investigações. Da perplexidade, o país
passou imediatamente à indignação: indignação com tudo que via e lia,
indignação que fez com que a CPI aprofundasse mais a sua pesquisa sobre as
ações do senhor Paulo César Farias. Essa pesquisa acabou chegando às portas do
palácio presidencial.
Collor deixou o Planalto em 2 de outubro, entre vaias e aplausos dos
servidores da Presidência. Às 10h40m, no helicóptero presidencial, fez um
pedido: queria sobrevoar as obras de um Ciac, escolas pré-fabricadas e uma das
marcas de sua gestão. O piloto avisou que o combustível só dava para ir até a
Dinda. Collor soube ali que estava de fato fora do cargo. O vice Itamar Franco
assumiu e ficou no posto até as eleições de 1994.
A derrocada do presidente que assumiu o cargo em 15 de março de 1990
congelando ativos financeiros até o limite de 50 mil cruzados novos começara
meses antes. Em maio de 1992, Pedro Collor, o irmão desafeto, veio a público
para testemunhar: PC Farias seria testa de ferro do chefe da nação. Dias
depois, Collor convoca cadeia nacional - faria isso outras vezes com o
agravamento da crise política - para se explicar e lamentar as declarações do
irmão, que é afastado dos negócios da família pela mãe, Leda Collor. Em junho,
a CPI mista é instalada no Congresso. Os acusados, ouvidos. PC Farias se limita
a dizer que recebeu muitos pedidos de empresários, mas, crime, não cometeu.
Surge o personagem-chave, Eriberto França. O motorista declara que pegava
cheques para pagar despesas da Casa da Dinda, residência oficial de Collor. A
quebra de sigilo bancário descobre correntistas-fantasmas usados para
movimentar o dinheiro do Esquema PC. Parte deles foi usada para pagar as
despesas do presidente. O GLOBO noticia uma das mais simbólicas: o Fiat Elba
que Collor usava em seus passeios dominicais. José Carlos Bonfim era o dono do
cheque. José Carlos Bonfim não existia. Era um dos correntistas-fantasmas do
esquema.
O novo processo contra Collor foi aberto em 2000, depois de idas e vindas
entre o Supremo e a Justiça Federal. O Ministério Público Federal denunciou-o
por envolvimento num suposto esquema de fraude em licitações e pagamento de
propina. Conforme a denúncia, empresários do setor de publicidade pagavam
propina a auxiliares diretos do então presidente. Em troca, as empresas
ganhavam contratos em concorrências direcionadas. Contas pessoais de Collor,
como pagamento de mesada para um filho só depois reconhecido pelo presidente,
eram quitadas com a arrecadação ilícita, cita a denúncia.
A alegação final da Procuradoria-Geral da República, anexada aos autos ainda
em 2008, ressalta que "o presente caso é absolutamente diverso de outros
procedimentos já arquivados" no STF. Em setembro de 2009, o processo foi
remetido para a nova relatora, ministra Cármen Lúcia. Não houve uma única
movimentação desde então.
Por meio de sua assessoria, a ministra sustenta que o processo é longo e que
precisou dar prioridade à ação do mensalão e à do deputado federal Natan
Donadon (PMDB-RO), que corriam maior risco de prescrição. Cármen Lúcia diz que
o relatório e o voto estão prontos e serão repassados ao ministro revisor, Dias
Toffoli, após o julgamento do mensalão.
Advogado de Collor no processo, Rogério Marcolini disse que o cliente é o
maior interessado no julgamento. E que Collor não teve participação na seleção
e contratação de agências de publicidade, e não foi beneficiado. Por isso,
sustentou, será absolvido de novo.
Fonte: O Globo
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