A presidente Dilma
Rousseff é uma sentimental. Ela se mostra saudosa dos bons tempos das carroças
motorizadas, dos computadores precários e dos bens de capital anteriores aos
controles informatizados. Seu coração meigo, propenso a tratar a indústria
brasileira como indústria nascente, é mal compreendido e pouco valorizado pelos
estrangeiros. Eles estão errados - americanos, europeus, australianos e outros
concorrentes incomodados com o crescente protecionismo brasiliense. Deveriam
agradecer à presidente, em vez de censurar sua política. Se tudo seguir o curso
normal, a indústria brasileira estará mais fraca do que hoje, quando o mundo
sair da crise. Se caprichar um pouco mais, o governo poderá abalar também o
agronegócio, o segmento mais competitivo da economia nacional. A culpa, como
nos bons tempos, será das potências estrangeiras. Esse discurso faz sucesso de
novo.
Para justificar a
escalada protecionista, em parte legal, em parte contestável, a presidente
esbraveja contra o mundo rico. Se o Brasil vai mal, é porque europeus e
americanos são incapazes de lidar com a própria crise, produzem um tsunami
monetário e com isso minam o poder de competição dos países em desenvolvimento.
Há alguma verdade nesse relato, mas a história completa é outra. Só aceita
integralmente a versão oficial quem desconhece informações básicas do País e de
seu comércio.
De janeiro a
setembro, as exportações para a América Latina caíram mais do que as vendas
para a União Europeia, enquanto aumentaram os embarques para os Estados Unidos.
Quando se examinam os detalhes do comércio, as alegações da presidente se
desmontam. Do lado interno, os problemas são inequívocos. A produção geral da
indústria aumentou 1,5% de julho para agosto, puxada pela fabricação de bens
intermediários (2%) e de consumo (1,2%). A fabricação de bens de capital -
meios de produção - aumentou só 0,3%.
No ano, até agosto, a
indústria de bens de capital produziu 12,2% menos que de janeiro a agosto de
2011. Mas esses números mostram só uma parte do fracasso da política de
investimentos.
Alguns detalhes são
muito úteis para a avaliação do discurso oficial. Até setembro a exportação
rendeu US$ 180,6 bilhões, 4,9% menos que um ano antes. O valor importado, US$
164,9 bilhões, foi 1,2% menor que o dos meses correspondentes de 2011. As
vendas à América Latina e ao Caribe foram 10,4% inferiores às de janeiro a
setembro do ano anterior. O comércio com a Argentina foi o mais desastroso, com
perda de 20,2%. No mesmo período, o Brasil faturou 11% mais com as exportações
para os Estados Unidos, um dos mercados mais atingidos pela crise e uma das
fontes do tsunami monetário. As vendas para a União Europeia, atualmente a área
em pior situação, ficaram 8,1% abaixo das de janeiro a setembro de 2011, com
recuo bem menor que o dos mercados latino-americanos. No caso da China, a
redução de 3,8% é explicável pela desaceleração econômica do país e pela
desvalorização de algumas commodities.
Os números ficam
ainda mais instrutivos quando se examina a composição das vendas. Os detalhes
disponíveis correspondem ao período até agosto, mas são suficientes para
algumas distinções importantes. De janeiro a agosto o Brasil exportou para os
Estados Unidos manufaturados no valor de US$ 8,7 bilhões. Esse valor,
correspondente a 46,8% das vendas para o mercado americano, foi 19,1% maior que
o de um ano antes. Os manufaturados vendidos à União Europeia renderam US$ 11,7
bilhões, compuseram 35,8% da receita e proporcionaram 0,6% mais que no período
janeiro-agosto de 2011. Para o Mercosul, a indústria brasileira vendeu pouco
mais que isso, US$ 13,6 bilhões, 16,6% menos que um ano antes. Para a China o
setor manufatureiro enviou produtos no valor de apenas US$ 1,6 bilhão.
Nenhum dos argumentos
habitualmente recitados pela presidente Dilma Rousseff explica esse conjunto de
detalhes - até porque ela se esquece, em geral, de apontar o dedo para o país
mais conhecido pela manipulação da moeda, a China. A política oficial ainda
seria defensável se o seu resultado fosse menos pífio. O protecionismo pode
oferecer algum conforto à indústria no mercado interno, mas será inútil para
fortalecer o produtor brasileiro no exterior. Se o Banco Central estiver certo
em suas novas previsões, o Brasil investirá neste ano menos que no ano passado.
Se nada muito mais sério for feito, dificilmente a taxa de investimento passará
nos próximos anos de 20% do PIB, embora a meta oficial seja chegar a uns 24%
até 2014 ou 2015. Sem um esforço muito maior de formação de capital fixo nenhum
protecionismo tornará a economia mais competitiva. O maior obstáculo, todos
sabem, é o governo: investe mal e atrapalha o investimento privado.
Fonte: O Estado de S.
Paulo
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