Nos últimos cinco anos, foram 57 casos, segundo ANJ; fórum reunirá especialistas para discutir a questão
Carolina Brígido
Apesar de a Constituição garantir o direito à livre expressão e ter abolido a censura, casos de restrições à imprensa têm ocorrido com o aval de setores do Judiciário. Levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostra que, em 2012, onze decisões judiciais determinaram censura à imprensa. Outros 14 casos foram registrados em 2011; 16, em 2010; dez, em 2009; e seis, em 2008.
Atento à questão, o ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto criou, em novembro do ano passado, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que também presidia na ocasião. Apesar de não ter poderes para impedir a censura judicial, o grupo vai monitorar casos e discutir o assunto. Ainda não há data prevista para o início das atividades do fórum. Mas sabe-se que a ANJ terá assento. O diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, considera absurdo um juiz determinar censura prévia à imprensa:
- A censura judicial acontece em flagrante desrespeito à Constituição. Infelizmente, é um fato que vem ocorrendo com uma frequência preocupante, em geral, por parte de juízes de primeira instância, indo contra a própria decisão do STF (que revogou a Lei de Imprensa em 2009). Naquele caso, ficou muito claro que não cabe absolutamente, da parte de quem quer que seja, censura prévia. A gente espera que os juízes de instâncias inferiores passem a entender a importância da decisão do Supremo. É um absurdo que isso aconteça porque a Constituição é muito clara - protesta Pedreira.
Para ele, iniciativas como o fórum contribuem para mudar a mentalidade dos juízes. Pedreira ressalta que o evento não terá o poder de mudar as decisões judiciais, mas que a discussão do tema pode esclarecer a magistratura:
- Qualquer iniciativa que vise divulgar os princípios da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, nos termos da nossa Constituição, é muito bem-vinda. Não basta uma decisão do Supremo para as coisas acontecerem de forma efetiva. Um debate desse tema no Judiciário é bastante positivo. A gente não imagina que o CNJ vá determinar as sentenças dos juízes porque não há esse poder: os juízes têm sua autonomia. O que a gente espera é um debate de alto nível, em que se possa deixar clara essa questão dentro do Judiciário - afirma.
Para Ayres Britto, problema tende a diminuir
Ayres Britto acredita que esse tipo de decisão judicial se tornará raro com o tempo:
- Isso tende a diminuir consideravelmente, na medida em que a decisão do Supremo e a própria compreensão do texto constitucional se tornem mais conhecidas. Isso é um problema cultural. A liberdade de imprensa ainda incomoda e há setores do Poder Judiciário, felizmente minoritários, refratários à plenitude com que a Constituição aquinhoou a liberdade de imprensa para o mais desembaraçado trânsito das informações, das ideias e das expressões artística, científica, intelectual e comunicacional - explica.
O ex-presidente do STF também frisa que o fórum não poderá reprimir juízes:
- O fórum não é de monitoramento das decisões judiciais porque nenhum juiz pode ser patrulhado. É um fórum de acompanhamento de decisões para ver até que ponto elas são compatíveis com o espírito da decisão do STF. A intenção é fazer congressos, seminários e estimular a discussão do tema nas escolas de magistrados.
Ayres Britto aprovou a criação do fórum em 13 de novembro, na última semana antes de se aposentar como ministro do STF. Ele presidia a Corte e o CNJ. O fórum vai organizar um banco de dados que permitirá identificar casos em que jornalistas são punidos pela Justiça. Será presidido por um conselheiro do CNJ e integrado por dois conselheiros e um juiz auxiliar do CNJ, um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um representante da ANJ, um da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), um da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e dois magistrados, sendo um estadual e um federal.
Fonte: O Globo
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