Grupo que recolheu assinaturas para a Ficha Limpa se prepara para ir às ruas em busca de apoio da população para proposta de mudanças nas regras eleitorais e partidárias do país
Juliana Cipriani
Saídos da primeira eleição em que a ficha limpa passou a vigorar como requisito para políticos serem votados e ocuparem cargos públicos, os eleitores brasileiros serão convocados este ano a endossar mais um projeto de lei popular: o da reforma política. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) já discute os eixos da proposta que pretende apresentar até abril para que as mudanças no sistema político brasileiro venham pela voz do povo. Com o recall da mobilização feita em torno da Lei Ficha Limpa, a expectativa é conseguir 1,4 milhão de assinaturas em tempo bem menor do que um ano e cinco meses, período que o MCCE levou para garantir a validação do texto que passou a impedir condenados pela Justiça de concorrerem a mandatos eletivos.
Entre abril de 2008 e setembro de 2009, o MCCE recolheu mais de 1 milhão de assinaturas para apresentar o projeto da Lei Ficha Limpa, que se tornou o maior de iniciativa popular do país. Agora, o grupo trabalha para modificar mais regras eleitorais e partidárias. O grupo, formado por 51 entidades nacionais – nas quais se incluem, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) –, está se reunindo para tentar chegar ao consenso do que seria a proposta ideal.
Um dos pontos que a proposta pretende mudar é o formato de financiamento das campanhas eleitorais. O MCCE estuda alternativas para acabar com o patrocínio dos empresários aos políticos. "As empresas não podem ser doadoras. Não se trata de preconceito com os empreendedores. Muito pelo contrário: é justamente para permitir que o empreendedorismo floresça. As grandes empreiteiras acabam se transformando em financiadoras e o resto termina ficando fora da possibilidade de contratos governamentais", afirma o juiz Marlon Reis, integrante da comissão nacional do MCCE. O magistrado diz que quase 30% do total doado aos partidos na última campanha, em 2012, veio de apenas três empreiteiras.
Outro ponto, segundo Marlon Reis, será uma regra para dar mais transparência ao sistema, modificando, por exemplo, o sistema de votação proporcional para os cargos no Legislativo. Pela regra atual para compor as câmaras municipais, a federal e as assembleias, os eleitos são escolhidos a partir de um quociente eleitoral, que define quantas vagas cada partido ou coligação terá, e a partir daí entra o mais votado. "É um voto clandestino porque é possível votar em um e eleger outro que muitas vezes não pensa da mesma forma que o escolhido pelo eleitor. É preciso acabar com essa transferência de votos entre os candidatos", afirma o juiz.
A minuta de projeto popular deverá ainda incluir a quebra de sigilo fiscal de todos os que concorrerem a cargos públicos. Hoje, a declaração de bens é feita pelo próprio candidato à Justiça Eleitoral e o entendimento é que a Receita Federal teria informações mais claras e confiáveis. O MCCE também discute uma forma de rastrear em tempo real as informações sobre as movimentações financeiras dos candidatos, informando ao eleitor tudo o que entra ou sai do caixa eleitoral.
Uma grande preocupação das entidades do MCCE é acabar com os chamados partidos de aluguel, que são usados como trampolim por candidatos com poucos votos que querem ser eleitos. Entre as ideias para minar essas legendas está a possibilidade de desvincular o tempo de televisão dos partidos da contagem para as coligações majoritárias. Ou seja, apenas o tempo do partido do candidato ao cargo do Executivo valeria. Proibir a militância paga, que são os profissionais contratados para balançar bandeira e distribuir santinhos, seria outra forma de dar mais igualdade ao pleito, segundo Marlon Reis. Para ele, isso acaba se convertendo em uma compra de votos oficial. Isso porque, argumenta, a prática "permite que o candidato passe dinheiro a essas pessoas para que elas peçam voto da família e de outros eleitores".
Para Marlon Reis, a reforma é urgente, pois o sistema político brasileiro atual é descontextualizado. "O sistema vigente está morto, não tem mais nenhuma legitimidade. Ele vigora desde 1932, quando o Brasil era um país rural, analfabeto, pobre e machista. O país de hoje é outro", afirmou. O magistrado acredita que o MCCE tem a Ficha Limpa como trunfo para garantir a mobilização em torno do novo projeto. "A Ficha Limpa vai ser o catalisador dessa reforma por dois motivos: primeiro porque mostrou que é possível a sociedade mudar leis eleitorais, quebrou um paradigma; e segundo porque foi feita uma aliança social até se atingir a lei e ela continua. É a partir dela que faremos a reforma política", afirmou Reis.
Saiba mais
Exigência de adesão
Para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular é preciso reunir 1,4 milhão de assinaturas de eleitores, divididos em pelo menos cinco estados, sendo no mínimo 0,5% do eleitorado de cada um. O projeto da Ficha Limpa conseguiu mais de 1,5 milhão de assinaturas e a lei foi sancionada em junho de 2010. Naquele ano, porém, o Supremo Tribunal Federal vetou a aplicação para as eleições gerais que ocorreram em outubro, mas entendeu como válida a regra, que foi aplicada pela primeira vez em 2012. Com a lei, ficam de fora das eleições os que tiverem sido condenados em segunda instância.
Fonte: Estado de Minas
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