domingo, 17 de fevereiro de 2013

Como não se fazem mais - Eliane Cantanhêde

De uma família abastada de Caruaru (PE), Fernando Lyra poderia ter sido empresário, advogado rico ou viver dos louros e lucros da companhia do pai. Não só optou pela política como desdenhou o conforto da Arena e aderiu com paixão ao MDB.

Ele, aliás, sempre foi um apaixonado. Foi assim que articulou o Grupo Autêntico do MDB, num momento em que o regime só autorizava o bipartidarismo, o sim ou não. Quis o não de fato, aguerrido, foi além do não de fachada, consentido.

Lutou ao lado de grandes nomes -como Alencar Furtado, Francisco Pinto e Lysâneas Maciel, cassados pelo regime-, aproveitando brechas como a anticandidatura de Ulysses Guimarães nos anos 1970 e as Diretas-Já, na década seguinte.

Bacharel formado em Caruaru, o forte de Fernando Lyra nunca foi a teoria, mas a prática. Tinha uma inteligência política rara, aliada a uma simpatia pessoal que abria portas e foi de grande utilidade ao construir pontes e definir alianças.

Derrotadas as diretas, em 1984, dedicou a paixão ao plano B: a eleição indireta de Tancredo Neves. Os "autênticos" torciam o nariz, mas ele soube digerir a realidade: a oposição não teria chance com um adversário frontal dos militares, como Ulysses, mas, sim, com um moderado que unisse a oposição e atraísse os dissidentes do regime. Alguém melhor do que a raposa mineira do antigo PSD? Impossível.

A Fernando Lyra coube seduzir a esquerda, o que lhe valeu o Ministério da Justiça da Nova República. Acabou com a censura (seu grande orgulho) e deixou para a história uma definição impecável do velho adversário e então seu chefe, José Sarney: "a vanguarda do atraso".

Assim como enfrentou os militares sem ser cassado e aderiu a Tancredo sem deixar de ser autêntico, Fernando Lyra sobreviveu 35 anos a um infarto, sem perder a inteligência política, a paixão e a simpatia. Ótimo político, grande figura.

Fonte: Folha de S. Paulo

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