Rebelde em seu próprio partido, o senador e ex-ministro Cristovam Buarque (DF) defende que o PDT deixe a base de apoio da presidente Dilma Rousseff e prega aproximação com o governador de Pernambuco.
“Eduardo Campos é a força mais viável e de esquerda que a gente pode ter”
Ex-ministro da Educação de Lula, parlamentar prega que seu partido deixe o governo da presidente Dilma Rousseff, nega aproximação com sigla de Marina Silva e diz que Aécio Neves está "do outro lado"
O senador Cristovam Buarque é considerado um "rebelde" dentro de seu partido, o PDT. Mas, apesar de não se envolver nas disputas internas da legenda trabalhista criada por Leonel Brizola, ele é de longe o maior puxador de votos da sigla. Em 2006, quando disputou a presidência da República pelo PDT, ficou em quarto lugar depois de receber 2.538.834 votos. Fez campanha o tempo to¬do batendo em apenas uma tecla: a educação. Com isso, atraiu para seu palanque dezenas de artistas e intelectuais. Reeleito senador em 2010 pelo Distrito Federal com 833.480 votos, Cristovam manteve a postura de parlamentar independente na Casa e foi um dos mais veementes opositores da eleição de Renan Calheiros pa¬ra presidir o Senado.
Quando a presidente Dilma decidiu demitir o presidente do PDT, Carlos Lupi, do Ministério do Trabalho, e colocar em seu lugar o jovem deputado Brizola Neto, Cristovam não se envolveu. Menos de um ano depois, porém, o PDT deflagrou um processo de fritura pública contra o neto do líder trabalhista justamente no momento em que se preparava para eleger uma nova direção partidária. Ao ceder às pressões de seu ex-ministro Carlos Lupi e colocar à frente da pasta um indicado dele, a presidente acabou por favorecer Lupi na convenção do PDT que aconteceu no último fim de semana. Isso tirou Cristovam do sério. "Eu não votaria no "Brizolinha", mas era preciso que o partido tivesse uma opção ao Lupi. O que Dilma fez foi uma intervenção direta. Isso é um absurdo", bradou o senador.
Ele vai além e diz considerar um erro que o PDT mantenha uma vaga na Esplanada dos Ministérios. "Com isso, o partido se atrela e fica impossibilitado de formular alternativas." Nessa entrevista exclusiva ao Brasil Econômico, Buarque diz que seu partido não vai se alinhar automaticamente ao projeto de reeleição da presidente. E mais: ele prega a aproximação dos trabalhistas com o governador socialista de Pernambuco, Eduardo Campos. "Não tenho dúvida que devemos ter um diálogo e até construir um projeto junto com ele. O Campos é a força mais viável e de esquerda que a gente pode ter."
Já sobre o tucano Aécio Neves, outro presidenciável que já se apresentou no tabuleiro, Cristovam tem outro discurso. "Com o Aécio é diferente. Os partidos são todos iguais, mas existe o lado de lá e o lado de cá. Aprendi isso com o ex-ministro Fernando Lyra (Justiça). Tenho respeito pelo PSDB, mas o ideário deles não é o mesmo do nosso lado." O senador aproveitou a entrevista para acabar com os rumores de que estaria se aproximando da Rede - sigla que está sendo criada pela ex-ministra Marina Silva. "A Marina tinha de ser o Betinho do século 21. Ele não criou partido, mas um movimento. A Marina tinha que ser Martin Luther King ou Gandhi. Ou seja: a líder de um grande movimento." Sobre o futuro político, Buarque deixa no ar a possibilidade de concorrer a um novo mandato co¬mo governador do Distrito Federal em 2014. Esse cenário, segundo ele, torna-se um caminho cada vez mais inevitável devido à falta de alternativas no cenário local em razão da péssima gestão do petista Agnelo Queiroz.
Pedro Venceslau
É verdade que o senhor está se aproximando da Rede, o partido político que está sendo criado pela ex-ministra Marina Silva?
A Marina tinha de ser o Betinho do século 21. Ele não criou partido, mas um movimento. A Marina tinha de ser Martin Luther King ou Gandhi. Ou seja: a líder de um grande movimento. Mas ao criar um partido, ela se iguala pois tem que se submeter a regras e a pessoas que não são exatamente o que ela quer. Não existe a menor possibilidade de eu fazer parte do partido da Marina. Apesar disso, eu gostaria de ser do movimento.
Pensa em sair do PDT?
Não. Eu já saí de um partido (o PT). Isso é algo muito dolorido para quem não é oportunista ou fisiológico. Sofri muito. Já estou com quase 70 anos. Esgotei minha cota e minha idade.
Espera concorrer a um cargo majoritário, como governador?
Meu maior problema hoje é não ser candidato a governador do Distrito Federal. Há um vazio muito grande. Agnelo Queiroz, do PT, é um não governador. No outro lado, do (Joaquim) Roriz, sumiu todo mundo: Arruda, Paulo Octávio... Eu teria que dispensar o Brasil e meus 20 anos de luta pela educação para me dedicar ao Distrito Federal.
Falta uma bancada dedicada à educação no Congresso?
As bancadas da educação que existem são corporativas. Tem a dos professores, do ensino superior privado e das universidades federais. A bancada da revolução da educação eu não tive competência para montar. Na semana passada, o Enem voltou a ser notícia negativa devido ao critério de avaliação das redações. Um aluno escreveu uma receita de miojo, mas não foi desclassificado. Outros cometeram erros crassos de português, mas não foram penalizados.
Por que o exame está sempre no olho do furacão?
Tem uma coisa que não vi em nenhum jornal. Os alunos do Enem que fizeram isso representam os melhores alunos do Brasil, que são aqueles 30% ou 40% que terminaram o ensino médio. Os que fizeram o Enem dessa maneira são a elite educacional do Brasil. O país não deu um salto concreto na educação. Basta ampliar o número das escolas públicas federais do Brasil. Não vejo outra alternativa. Os professores precisam ter uma estabilidade responsável e não uma estabilidade plena.
Como avalia a gestão do ministro Aloizio Mercadante na educação?
Não se avalia ministro, o que se avalia é o presidente. Ministros não têm o menor poder para fazer nada, nem para mandar projeto de lei para o Congresso Nacional. Portanto não avalio o Mercadante, mas a presidente Dilma. Nem ela, nem FHC, nem Lula quiseram dar o grande salto educacional. Eles fizeram apenas pequenos avanços.
O que acha do regime de aprovação automática dos alunos?
É a mesma coisa que dar alta ao doente só porque passou o tem¬po dele de ficar no hospital. É um absurdo.
O PDT é hoje um partido de caciques regionais?
O PDT não é um partido de caciques regionais. Ele tem um só cacique no Brasil inteiro e ele se chama Carlos Lupi. Ao redor dele, existem algumas pessoas com muita força. Uma delas é o deputado Paulinho da Força.
Qual é a dimensão do poder dele na sigla?
O PDT quase não tem sindica¬tos, enquanto ele tem a Força (Sindical) inteira. Se o Paulinho sair, o partido fica sem trabalha¬dor. Mas essa força política dele não casa com o que (Leonel) Brizola defendia.
Por quê?
Porque o PDT entrou em um processo de fazer apenas peque¬nos acordos conjunturais sem olhar o longo prazo. Todos os partidos do Brasil perderam o vigor transformador da sociedade. Todos nós políticos somos acomodados. Cada um puxa para o seu lado em vez de empurrar o Brasil para a frente.
O Paulinho está articulando a criação de um partido, o Partido da Solidariedade. Seria um duro golpe para o PDT?
Ele não assume que está fazendo isso. Se estiver mesmo, seria uma imensa perda da nossa força imediata. Ele é forte e tem uma central. Mas, por outro la¬do, a saída dele daria a oportunidade do partido se reencontrar com as suas origens.
Na sua opinião, a Força Sindical está muito distante dos valores pregados por Brizola?
Não só a Força, mas todas as centrais. Os sindicatos hoje apenas reivindicam. Eles não propõem mais transformações oficiais. Defendo que a gente vá além das reivindicações.
Como explica a ascensão e a fritura pública de Brizola Neto no Trabalho?
A escolha dele foi motivada por razões pessoais da presidente Dilma. Dizem que ela tem relações pessoais com a esposa do Brizola e com o neto dele. Não acho que a escolha tenha sido uma forma de minar o poder do Carlos Lupi no PDT. Ela quis prestigiar o Brizola.
O Brizola Neto foi alvo de fogo amigo do PDT na curta passagem dele pela Esplanada dos Ministérios?
A queda se deve ao fato de que o PDT não o apoiou e não foi o responsável pela indicação. Ele não representava o partido. E não digo isso como crítica porque eu também não represento o PDT — portanto jamais seria apoiado. Então o Brizola Neto ficou isola¬do. Sofreu muito desgaste. Ficou sendo o ministro que ninguém via e ninguém sabia. A demissão foi uma tentativa da presidente de levar o PDT para seu lado antes que a gente fosse para o lado do Eduardo Campos ou lançasse um candidato de forma irreversível, como fizemos em 2006.
O PDT deveria dialogar mais e eventualmente até apoiar o Eduardo Campos na eleição do ano que vem?
Primeiro precisamos saber qual é o projeto do Eduardo Campos. Isso ainda está claro. Mas não tenho dúvida que devemos ter um diálogo e até construir um projeto junto com ele. O Campos é a força mais viável e de esquerda que a gente pode ter.
E com o senador Aécio Neves (PSDB-MG)?
Com o Aécio é diferente. Os partidos são todos iguais, mas existe o lado de lá e o lado de cá. Aprendi isso com o ex-ministro Fernando Lyra. Tenho respeito pelo PSDB, mas o ideário deles não o mesmo do nosso lado.
A Convenção do PDT no fim de semana foi esvaziada pela decisão de Dilma de demitir Brizola Neto?
Não foi esvaziada, mas já estava tudo pré-definido. Todos já sabiam que o Lupi seria o escolhido.
O PDT estará unido no palanque de Dilma em 2014?
Não estará. O próprio Carlos Lupi tem dito e repetido dentro do partido que não acertou nada para 2014. O convite ao Manuel Dias (para assumir o Ministério do Trabalho) não envolveu negociação para as eleições. Muitos de nós achamos que a melhor posição do PDT é estar fora do governo. Isso não significa ir para a oposição, pois isso é papel das forças mais conservadoras. É possível estar ao lado das forças de esquerda sem necessariamente estar dentro do governo. Com a entrada do Lupi no governo o PDT perdeu personalidade, deixou de debater alternativas e se acomodou. O Brasil precisa de alternativas porque as coisas não estão bem. Eu distribuí na convenção um documento, assinado por mim, pelo senador Pedro Taques e pelo deputado Paulo Rubens, com uma lista de 25 grandes preocupações.
Quais são as principais?
A inflação está quase fora do controle. Isso só não aparece mais porque o governo está usando de artifícios de controle de preços. Isso não dura muito. Outro ponto é perda da produtividade. E tem os apagões: da energia elétrica, da mão de obra, do transporte. São diversos. Temos o problema da educação. O governo não está dando resposta para isso.
Como explica, então, o fato de a presidente Dilma ter mais popularidade hoje do que seus antecessores?
A pesquisa de opinião mede apenas o hoje. A pessoa que responde não leva em conta que a produtividade está caindo, não vê lá na frente. O fato é que o partido tem que olhar pelo menos 10 anos na frente. O PDT poderia oferecer uma alternativa. Mudou a cara do presidente, mas há 20 anos, desde Itamar (Franco), o Brasil tem o mesmo governo. Isso foi bom, mas os pilares estão se esgotando. A democracia não pode mais continuar dessa maneira.
Qual maneira?
Sem partidos, com fisiologismo para todos os lados, com financiamento de campanha que compra voto. A democracia pre¬cisa de uma reforma radical.
Que tipo de democracia o senhor defende?
Uma democracia na qual o político não possa ser reeleito muitas vezes, que não permita alianças partidárias no primeiro turno para evitar legendas de aluguel, que reduza o custo das campanhas, que são caríssimas. Defendo, ainda, que um parla¬mentar que seja convidado para ser ministro tenha que renunciar ao cargo. A democracia está se esgotando. Ninguém aguenta mais. Existe um clima de muita insatisfação no Congresso.
Quais outras preocupações o senhor apresentou no documento na convenção do PDT?
Uma boa coisa do Brasil é que estabilidade monetária foi comprada por quatro presidentes: Itamar, FHC, Lula — que era contra, mas ficou à favor — e Dilma. Apesar disso, hoje qualquer analista sabe que a inflação está muito perto de sair do controle. A inflação dos bens dos pobres está em 12%. Isso inviabiliza os programas sociais, que deixam de ter efeito. A transferência de renda, que foi uma das grandes conquistas do Brasil, é um mecanismo de atender aos pobres que está se esgotando. É preciso criar um mecanismo que reduza o número de pessoas que precisam da Bolsa Família e não comemorar o crescimento dos beneficiados. O governo fala muito que a miséria acabou, mas o número de usuários do "Bolsa Família" só aumenta. Ou seja: não houve redução da miséria. Estamos entrando na segunda geração de dependentes do programa. Isso é um desastre.
Por que o senhor quer chamar o Luciano Coutinho, presidente do BNDES, para falar no Senado?
Para explicar qual é a política do BNDES. O banco está financiando, por exemplo, a construção do estádio do Itaquerão. Mas o Banco do Brasil está recusando as garantias que o Corinthians está dando. Outra preocupação: por que concentrar os investimentos em tão poucas empresas?
Como avalia as acusações contra o deputado Gabriel Chalita, que é acusado de receber propina quando era secretário da Educação de São Paulo?
Não consigo ainda ficar do lado dos acusadores dele. Não tenho nenhuma relação pessoal ou de amizade com o Chalita, mas ele ainda tem um crédito comigo. Não o vejo como corrupto. Se isso fosse verdade, seria uma surpresa. Vou esperar as investigações.
Como é a vida de senador independente? Sente-se isolado?
Nós independentes estamos absolutamente isolados no Senado. Vivemos sob ameaça.
Que tipo de ameaça?
Recentemente circulou pelo Senado um cara que prometeu matar o senador Pedro Taques (PDT-MT). Esse cara aparece no blog dele com um fuzil dizendo que vai matar o Taques.
O que o sr. achou da eleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado?
Foi um grande retrocesso, mas vamos dar um crédito de confiança e ver o que ele vai fazer nos próximos dois anos. Vamos ficar na expectativa. Ele pode fazer uma boa gestão para se legitimar depois das críticas. Já briguei muito contra ele.
Qual é a sua opinião sobre as nomeações polêmicas para as comissões da Câmara, como a do pastor Marco Feliciano?
Isso faz parte do esgotamento da democracia no Brasil . As comissões do Congresso Nacional são presididas pelos indicados dos partidos, sendo que a ordem de prioridade é para os maiores. Ou seja: o maior escolhe a comissão que quer. Depois dos grandes, distribuem o que sobra para os pequenos. Isso precisa acabar. É errado o presidente da comissão refletir apenas o tamanho do partido. O presidente da comissão deve ser aquele que está mais preparado. O deputado pastor Marco Feliciano (do PSC) vai cuidar dos direitos humanos de todo o Brasil, e não apenas dos filiados do partido dele.
Demitido por telefone em 2004
Em 2004,no segundo ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então ministro da Educação, Cristovam Buarque, foi demitido do cargo por telefone quando estava de férias em Portugal. Cristovam se juntaria à comitiva de Lula que viajaria à Índia, mas foi desconvidado. O episódio marcou o começo do fim da história dele com o PT. Magoado, ele avaliou como "desconsideração" ser demitido do governo por telefone. E voltou para cumprir o mandato de senador pelo Distrito Federal.
Na ocasião, Lula disse que precisaria do cargo porque pretendia fazer uma reforma universitária e queria à frente da pasta uma pessoa que estivesse fora do mundo acadêmico. Dois anos depois, já no PDT, Cristovam candidatou-se à presidência da República e ficou em quarto lugar. Ex-reitor da Universidade de Brasília, Buarque elegeu-se governador do Distrito Federal, em 2004, pelo PT. Sua gestão foi premiada no Brasil e no exterior, mas ele não conseguiu se reeleger em 2008 apesar dos ótimos índices de aprovação obtidos nas pesquisas - chegou a 58% no Datafolha. Ele foi o quarto governador de estado mais popular na época, mas perdeu a campanha de reeleição para Joaquim Roriz (PMDB) por pequena margem de votos.
Fonte: Brasil Econômico
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