O livro O marxismo político de Armênio Guedes, recém lançado pela Editora Contraponto e a Fundação Astrogildo Pereira, traz à luz as ideias de Armênio Guedes, um influente quadro político do PCB, o “Partidão”.
De que nos seria útil revisitar textos de um pecebista, escritos entre as décadas de 1950 e 1980 a esta quadra da história?
Neste comentário, não tenho a intenção de resumir a complexidade e diversidade de temas que organizaram a seleção dos textos de Guedes, e sim, instigado por alguns dos insights que retive em minha leitura do volume, fazer umas poucas referências ao momento político-partidário que vivemos.
Sempre alicerçado na realidade brasileira (evitando, com isso, as amarras de uma possível metateoria marxista), na década de 1950, Guedes propunha a ideia de uma frente única enquanto forma de luta de médio prazo por um tipo de governo democrático-reformista, de coalizão e anti-imperialista.
A realpolitik de Guedes avançou aos textos da década de 1970 na denúncia da fascitização do Brasil e na exploração das possibilidades de retomada da democracia com base numa análise detalhada dos conflitos internos e das fissuras do regime de 1964. Diante da ditadura, a estratégia de resistência que ele defendia, naquele tempo difícil de grande repressão, diferenciava-se da visão de outras vertentes da oposição, que davam como consumado o fechamento do sistema político. Guedes propunha o combate à ditadura por meio da política, inclusive pela participação nas eleições, um caminho assemelhável ao da tese gramsciana da “guerra de posições”, como diria ele próprio, depois da anistia, em 1979.
O livro O marxismo político de Armênio Guedes é um bom texto ao permitir várias reflexões e analogias. A minha vai no seguinte sentido: estamos há mais de década sob um governo que se autointitula de esquerda. Ocorreram alguns avanços, sem dúvida. Mas, não foi muito pouco? O que aconteceu com todas aquelas ideias radicais (no bom sentido)? Ao que consta, o Estado brasileiro ainda é (mesmo que nos tempos de Guedes isto não se apresentasse como uma questão central) um monumento ao clientelismo, ao patrimonialismo e à corrupção (aliás, aqui está um bom motivo para aliar à teoria marxista o aporte de Weber) e, consequentemente, à ineficiência.
Discursos à parte, isto pouco parece importar diante das infindáveis articulações eleitoreiras, incluindo a viabilização de importantes (mas, limitadas) políticas sociais, demonstrando cabalmente a sucumbência do PT ao pragmatismo. De outro lado, temos pequenos partidos ideológicos (o que é salutar), porém, também alheios à complexidade que o Brasil representa no mundo atual, com o agravante do apego a metateorias sem raiz na realidade, ou mesmo a nenhuma teoria, quer dizer, submersos ao ativismo, gerando posturas do tipo “a luta por um Estado eficiente é neoliberal”.
Devo registrar que esta situação gerou em muitos militantes de esquerda, dentre os quais me incluo, certo sentimento de desencanto político. Sei que este sentimento não nos leva adiante, espero que seja passageiro e que o quadro partidário das esquerdas mude em breve.
O livro que comento é um “puxão de orelha”, pois quando o lemos, vemos a persistência e o otimismo (realista) de um autor situado no período dos anos de chumbo da ditadura.
O volume alimenta a esperança de que surja algum partido ou campo de esquerda que, apoiado em uma boa teoria fundada no conhecimento do país (como no seu tempo o fez Guedes, mesmo utilizando os paradigmas marxistas-leninistas da época), consiga propor, sem sectarismo e sem fisiologismo, uma “revolução democrática” adequada aos dias atuais. Um movimento de transformações que passa (mas não se limita a) pela busca de referenciais republicanos (no bom sentido...), assentados firmemente nos princípios e processos democráticos.
Paulo Freire Mello é Eng. Agrônomo e Dr. em desenvolvimento rural.
Sobre o livro: O marxismo político de Armênio Guedes, seleção de textos de Raimundo Santos. editora Contraponta e Fundação Astrogildo Pereira, Rio de Janeiro/Brasília, dezembro de 2012, 207p.
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