Quarenta anos atrás, o historiador pecebista fazia o seguinte comentário à lei que, como a das empregadas domésticas, estendia a legislação social a grandes contingentes de trabalhadores:
“Foi quase de surpresa, pode-se dizer, a promulgação da lei dispondo sobre o ESTATUTO DO TRABALHADOR RURAL (Lei nº 4.914, de 2 de março de 1963, publicada no Diário Oficial, de 18 de março). Sabia-se que transitava no Congresso Nacional grande número de projetos relativos ao trabalhador rural. Mas não se tinha notícias seguras a respeito uma vez que as informações veiculadas pela imprensa acerca do assunto são extremamente escassas.
Chamamos a atenção para o fato a fim de notar o desinteresse que cercou a elaboração do que constitui sem dúvida o mais importante acontecimento relativo às tão apregoadas reformas de base – tão apregoadas, mas tão pouco estudadas e discutidas em termos concretos e capazes de levarem a conclusões realmente práticas. A extensão da legislação social-trabalhista para o campo e a proteção legal do trabalhador rural – até hoje praticamente excluído dessa proteção que só vem favorecendo o trabalhador urbano – têm um alcance econômico e social que raros diplomas legais tiveram até hoje entre nós.
Apesar das graves falhas que apresenta a lei promulgada, e que logo veremos, seus efeitos serão consideráveis, pois se efetivamente aplicada, com o devido rigor, promoverá por certo uma das maiores transformações econômicas e sociais já presenciadas neste país. Será, podemos dizer, uma verdadeira complementação da lei que aboliu a escravidão em 1888. Não exagero, como se comprovará em seguida.
E, assim sendo, é verdadeiramente de estarrecer o desinteresse pelo Estatuto revelado durante o trânsito do projeto no Congresso, por parte das forças políticas de esquerda e progressistas. Tivessem elas atentado para a importância do assunto, e para o que ele encerra de potencialidade renovadora de nossa estrutura econômica e social agrária, e ter-se-ia alargado o debate e estudo do projeto, o que por certo evitaria as graves insuficiências em que infelizmente incide a lei promulgada. Poderíamos dispor agora de um texto legal capaz de efetivamente promover e realizar, em larga escala, a transformação de nossa economia agrária.
A incompreensão das forças políticas que deveriam estar à frente da tarefa, adiou esses efeitos, ou boa parte deles pelo menos, para quando a prática tiver posto em evidência as falhas da lei. E devemos notar esses fatos a fim de alertar a opinião pública, para que não se dê com o Estatuto o ocorrido com alguns benefícios que desde longa data são legalmente assegurados ao trabalhador rural, e que permanecem até hoje letra-morta, como o salário-mínimo, vigorante desde a Consolidação da Legislação Trabalhista de 1943.
Há vinte anos, portanto, em que nem as autoridades administrativas, nem os tribunais, nem mesmo as organizações da classe trabalhadora, partidos e agrupamentos políticos de esquerda ou que se dizem tais, tivessem jamais denunciado essa escandalosa violação da lei, e chamado para ela a atenção das suas vítimas, os trabalhadores rurais que isolados como de encontram e sem ninguém para os aconselhar e ilustrar, ainda ignoram na maior parte os seus direitos.”
Cf. O artigo “O Estatuto do Trabalhador Rural”, publicado na Revista Brasiliense n. 47, São Paulo, mai/jun. 1963.
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