Tetraplégico desde 2011, o documentarista de clássicos como Os Anos JK e Jango recebeu um Calunga pela carreira
Luiz Carlos Merten
RECIFE - Depois da bela homenagem a Marieta Severo na noite de sábado, o domingo teve outro momento emocionante, quando o cineasta Silvio Tendler subiu ao palco do Cine-Teatro Guararapes para receber seu troféu Calunga especial de carreira, outorgado pelo 17. ̊ Cine PE – Festival do Audiovisual. O documentarista que deu ao cinema brasileiro seus maiores êxitos de público está-se locomovendo em carreira de rodas. Em dezembro de 2011, Tendler viveu o pesadelo de acordar tetraplégico.
O problema era de coluna e ele foi operado, uma cirurgia de alto risco. “Virei um sobrevivente de mim mesmo”, ele diz. Recuperou o movimento das mãos e arrisca locomover-se dentro de casa usando andador. A cabeça continua a mil e ele resume seu estado atual dizendo que a doença despertou seu apetite de viver. Se os quase 2 milhões de espectadores do seu documentário sobre os Trapalhões são reflexo da popularidade que Rena- to Aragão e seus amigos tinham na época, o público de Jango (1 milhão de espectadores) e de Os Anos JK (800 mil) são mérito do diretor.
Há um revival de Jango, embora, a rigor, Tendler diga que seu documentário sobre o ex-presidente João Goulart “tem estado sempre aí”. Jango foi exibido no recente É Tudo Verdade, como parte do debate que o Festival Internacional de Documentários promoveu se antecipando aos 50 anos do golpe militar (em 2014). O filme foi visto por legiões de jovens.
E se emocionava nos anos 1980, usado como ferramenta na campanha das Diretas-Já, continua emocionando hoje. Tendler reflete – “Nunca fiz documentários com uma preocupação temporal ou partidária.” Por isso mesmo, ele sabe que seu trabalho se mantém. Sobrevive, como ele próprio. Mas ao abordar a história do Brasil, a renúncia de Jango ou o Brasil que se transformava sob Juscelino Kubitschek – ou ao conceder a palavra a Dilma Rousseff em Utopia e Barbárie –, Tendler sempre foi alvo de críticas, a favor e contra.
“Usei uma declaração de Dilma quando ela ainda não era candidata a presidente. Era uma declaração forte, importante. Teria sido covarde, se a retirasse depois que a candidatura foi oficializada. Preferi correr o risco, e o filme foi boicotado pela mídia.” Aos que o acusam de ser parcial, ele responde com uma citação do jornalista Sérgio Augusto, colunista do Estado – “Imparcial, só com a câmera desligada.” Acrescenta que seu cinema, como o de qualquer autor que se preze, tem um ponto de vista. Tendler foi aplaudido de pé, e merece.
Logo depois de seu filme passou o documentário de estreia do crítico e jornalista Celso Sabadin, que admitiu ter tomado gosto pela nova função – a de diretor, não necessariamente de um filme do gênero. É sobre Mazzaropi. Boa parte da discussão, durante o debate ontem pela manhã, girou em torno de um segredo de Polichinelo – a homossexualidade do ator e diretor, que nunca foi segredo no meio cinematográfico, mas também nunca foi abordada assim, abertamente. O jeca gostava de moços bonitos e enchia deles seus sets.
“Estava no seu direito de ser feliz”, diz a atriz Marly Marley. Discutiu-se também o visionário – Mazzaropi pode não ter tido o público de José Padilha, os mais de 12 milhões de espectadores de Tropa de Elite 2 , mas ninguém levou tanta gente aos cinemas quanto ele, neste País. Foram 15 filmes – o 16. ̊ não foi concluído – que passaram folgadamente dos 100 milhões de espectadores. Bom motivo para se polemizar sobre a atração que as comédias despertam no público.
O assunto tem estado em pauta no Recife, que tem a fama de possuir o público mais entusiasta do Brasil (mas o Cine-Teatro Guararapes, ao contrário de anos anteriores, não tem lotado). Mazza era naturalmente engraçado e o público ria antes que ele abrisse a boca (ou fizesse um gesto), mas seus filmes são... melodramas, isso sim.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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