Olhada de dentro, a coordenação política do governo vê a si mesma como vitoriosa na guerra dos portos, sem perder de vista os princípios estabelecidos por Dilma Rousseff. Princípios esses manifestos na disputa que paralisou o Congresso por uma semana, 41 horas de sessão só na Câmara dos Deputados, um recorde. A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) passou 48 horas em claro. O deputado Danilo Fortes (PMDB-CE) dizia na quinta-feira, após o término da votação na Câmara, que estava com o corpo tão dolorido como se tivesse dançado três dias seguidos de Carnaval.
No Congresso a "batalha da MP dos Portos" é vista como um sinal de fraqueza da articulação política do governo, à medida que a maioria de sua base de apoio é de quase 90% dos deputados. Do ponto de vista do governo e de quem participou de cada uma das batalhas, foi a vitória de quem sabe o que quer e negocia sem abrir mão de princípios. "Está na hora dessa rapaziada entender que tem jeito e formas diferentes de fazer (a articulação política), e o importante é o resultado", diz um dos insones palacianos. É visível que se acredita, no núcleo do governo, que há um certo "machismo" nas críticas à articulação política, coordenada por mulheres em um território tradicionalmente masculino: a presidente da República, Ideli e a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.
A diretriz da presidente Dilma Rousseff para a votação desta e de outras matérias no Congresso está clara, para quem a recebeu: "Nunca sonhei com isso (a Presidência da República). Eu vim para esta cadeira por uma conjugação de fatores", disse Dilma, enumerando, entre os fatores, o fato de ter coordenado os principais programas de governo, quando estava na Casa Civil e era chamada de "Mãe do PAC", e ser escolhida candidata e ser apoiada pelo presidente mais popular da história recente do país. "Eu estou nesta cadeira não é para fazer qualquer coisa, e tem coisa que eu não admito fazer".
Apenas 5% da Lei dos Portos serão vetados por Dilma
Quais eram as disputas mais agudas na votação da medida provisória dos portos? Visto de dentro da coordenação política, em primeiro lugar estavam os interesses bilionários em causa. A MP mexia com interesses de empresas como a Vale, a Petrobras e a Bunge, gigantes em cada uma de suas áreas de atuação. Em seguida, o deputado Eduardo Cunha (RJ), que já era poderoso por suas ramificações em outros partidos e por comandar a bancada do PMDB do Rio de Janeiro (9 deputados), e agora muito mais forte por ser líder do PMDB, a segunda maior bancada (80 deputados) da Câmara. Cunha, afirma-se no Palácio do Planalto, tinha seus interesses, mas também procurava mostrar que era "o cara" das negociações.
Um exemplo da influência de Cunha é a permanência de Marco Feliciano na presidência da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara. O deputado é acusado de racismo e homofobia, mas se mantém no cargo porque o PMDB cedeu suas vagas na comissão ao PSC, o partido de Feliciano.
Cunha também tem ascendência sobre a bancada evangélica. Calcula-se que mais de 30 deputados giram em sua órbita, sem falar da bancada que lidera. No momento, é visto como o inimigo público número um da presidente.
Do ponto de vista dos vitoriosos (o governo), é a ministra Ideli Salvatti quem tem que falar com o líder do PMDB e dos demais partidos aliados. A presidente fala eventualmente, quando há necessidade, com os líderes de governo. Ou em situações especiais. Por exemplo, quando recebeu o vice-presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Henrique Alves, e os líderes no Senado, Eunício Oliveira, e na Câmara, Eduardo Cunha. Um gesto institucional - todos os congressistas acabavam de ser eleitos para seus cargos - e de prestígio ao vice-presidente Michel Temer. Nas dificuldades maiores com o PMDB, Ideli está instruída a recorrer a Temer, que sempre está pronto para ajudar.
Na queda de braço de Cunha com o Palácio do Planalto, quem saiu ganhando foi o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que segurou os senadores em Brasília numa quinta-feira, quando a maioria já está em seus Estados, e em menos de 12 horas recebeu da Câmara e aprovou a MP dos Portos. Mesmo que para isso tenha empenhado a palavra de que não mais votará MPs que cheguem ao Senado com menos de uma semana de antecedência para o vencimento.
Este teria sido um dos grandes erros da articulação política, pois o preço a pagar será alto, se Renan cumprir a palavra: nas próximas semanas "caducam" pelo menos cinco MPs, entre elas a que cria um fundo de ajuda aos Estados e outra, a conta de desenvolvimento energético, todas de interesse do governo. A menos que Renan diga que sua decisão vale apenas para as novas MPs. Mas Renan não fará isso e contará com a "compreensão" não só de Ideli, como também de Dilma, que ficou grata ao presidente do Senado por sua atuação na votação. "Renan bancou e garantiu a aprovação em tempo recorde. Foi algo que será levado em consideração e terá a compreensão total e absoluta da presidenta para isso, se vier a acontecer", diz uma insone.
A MP dos Portos será sancionada em 95%, apenas 5% devem ser vetados. O texto da lei será mais ou menos o relatório aprovado do líder do governo e relator da medida, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), menos o que ele escreveu por conta própria, sem o compromisso de ratificação do governo (foram negociações que Eduardo Braga conduziu a fim de facilitar a tramitação da medida). Até mesmo o polêmico texto que trocou "ocorrerá" por "poderá ocorrer" prorrogação dos contratos, que no início era um dos itens da "emenda aglutinativa" de Eduardo Cunha, poderá sobreviver à varredura da lei aprovada, atualmente em curso na área jurídica do governo.
Afinal de contas, visto de dentro da coordenação, "poderá ocorrer" e nada são a mesma coisa. O importante é manter o poder do governo para fazer uma reorganização dos portos brasileiros, como estabelecer áreas para contêineres e terminais para líquidos.
Fonte: Valor Econômico
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