“É certo que prever significa apenas ver bem o presente e o passado como movimento: ver bem, isto é, identificar com exatidão os elementos fundamentais e permanentes do processo. Mas é absurdo pensar numa previsão puramente “objetiva”. Quem prevê, na realidade, tem um “programa” que quer ver triunfar e a previsão é exatamente um elemento de tal triunfo. Isto não significa que a previsão deva ser sempre arbitrária e gratuita ou puramente tendenciosa.
Ao contrário, pode-se dizer que na medida em que o aspecto objetivo da previsão está ligado a um programa é que esse aspecto adquire objetividade: 1) porque, só a paixão aguça o intelecto e colabora para tornar mais clara a intuição; 2) Porque, sendo a realidade o resultado de uma aplicação da vontade humana à sociedade das coisas (do maquinista à máquina), prescindir de todo elemento voluntário ou calcular apenas a intervenção da vontade dos outros como elemento objetivo do jogo geral mutila a própria realidade. Só que quer fortemente identifica os elementos necessários à realização de sua vontade.
Por isso, é um erro grosseiro de presunção e de superficialidade considerar que uma determinada concepção do mundo está implícita em toda previsão; portanto de que ela seja um amontoado de fatos arbitrários do pensamento ou uma visão rigorosa e coerente não é destituído de importância, mas ela só adquire essa importância no cérebro vivo de quem faz a previsão e a vivifica com sua vontade forte. Isso pode ser percebido através das previsões feitas pelos chamados “desapaixonados”: elas estão plenas de inutilidades, de minúcias sutis, de elegâncias conjunturais.
Só a existência de que ”prevê” de uma programa a realizar faz com que ele se atenha ao essencial, aos elementos que, sendo “organizáveis”, suscetíveis de ser dirigidos ou desviados, são na realidade os únicos previsíveis. Isto vai contra o modo comum de considerar a questão.
Geralmente se acredita que todo ato de previsão pressupõe determinação de leis de regularidade como as leis das ciências naturais. Mas, como estas leis não existem no sentido absoluto ou mecânico que se supõe, não se levam em conta as vontades dos outros e não se “prevê” sua aplicação. Logo, constrói-se com base numa hipótese arbitrária, e não na realidade.”
Antonio Gramsci, “Sobre o conceito de previsão ou perspectiva” in, Cadernos do Cárcere, Vol. 3, p. 342. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007.
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