O gatilho das tarifas de transporte desdobrou-se, rapidamente e em escala surpreendente, em manifestações nacionais que misturam demandas ligadas às carências também de outros serviços (de saúde, de educação) a denúncias contra corrupção no uso de recursos estatais e no “desvio” deles (exemplificado nos altos gastos com os estádios para as duas Copas da Fifa). Demandas e denúncias potencializadas nas redes sociais pelo clima negativo decorrente do agravamento dos problemas da economia, bem como por aguda rejeição do sistema político-partidário e das distorções do seu funcionamento. E pelo que a Folha de S. Paulo, em editorial de ontem, identificou como “fortes sinais de que se rompe a bolha do otimismo que levou Dilma Rousseff ao Planalto”.
A rejeição aos partidos e aos políticos em geral, dominante entre os jovens da classe média, reflete a baixa credibilidade deles (sejam governistas ou de oposição), abrindo espaço para a recusa do papel institucional do Legislativo e para uma implícita defesa da chamada “democracia direta”. Feita comumente em protestos urbanos que irrompem de repente em vários países (como os da Primavera Árabe pró-democracia). Mas que é instrumentalizada com sucesso por projetos populistas autoritários como os do chavismo ou a ele associados. O peso ganho pelas palavras de ordem contra a “classe política” favoreceu atos violentos contra a Assembleia Legislativa do estado do Rio e a quase invasão do Congresso Nacional, praticados por grupos radicais ao final de manifestações amplas e pacíficas.
A temática da corrupção passou a ter relevância nos cartazes e slogans dos protestos com o ataque à PEC 37, que, se aprovada, restringirá os poderes do Ministério Público nas investigações de irregularidades que envolvem políticos e governantes, impedindo-o de instaurar inquéritos. Trata-se de projeto do deputado do PT, Lourival Mendes (reforçado na Câmara por englobar interesses de parlamentares de outros partidos afetados pela atuação de promotores), constituindo uma das reações dos petistas ao processo do mensalão e à denúncia do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel. A defesa da continuidade do papel do Ministério Público na apuração de tais irregularidades ou escândalos é uma importante e corretíssima bandeira assumida pela onda de manifestações sociais.
O caráter pacífico das enormes manifestações de anteontem começou a ser contraposto por atos violentos e de vandalismo praticados já na própria segunda-feira no Rio, em Brasília e outras cidades. E que assumiram grandes e graves dimensões nas realizadas ontem em São Paulo. Com o cerco à sede da prefeitura e a depredação de seus portões e janelas, seguidos de incêndio a veículo da rede Record e de saques a numerosos estabelecimentos comerciais. Só interrompidos, por intervenção da tropa de choque da Polícia Militar, que hoje volta a ser acionada para conter violências e bloqueios de ruas e rodovias, por grupos radicais de manifestantes em várias áreas da capital e da Região Metropolitana. Nesse novo quadro, o papel da Polícia Militar volta a ser cobrado pela sociedade e tem condições políticas de ser posto em prática.
E a federalização dos protestos – estendidos anteontem a 12 estados e já chegando a crescente número de municípios – além do desgaste para os prefeitos e governadores diretamente responsáveis pelo reajuste de tarifas (como Fernando Haddad e Geraldo Alckmin, em São Paulo, Eduardo Paes e Sérgio Cabral, no estado do Rio), ademais disso passou a atingir fortemente a presidente Dilma Rousseff. Como chefe de governo ao qual são atribuídos os “desvios” de vultosos recursos para os gastos com as Copas da Fifa e a responsabilidade maior pelos crescentes problemas da economia. E como candidata à reeleição, sufocada por esses problemas, pelo caráter fisiológico da aliança em que busca apoiar-se e pelo risco de retomada de pressões petistas por sua substituição por Lula. Cenário que só não é mais grave eleitoralmente para ela porque a baixa credibilidade debitada nos protestos aos partidos e lideranças políticas é extensiva aos de oposição. Tendo por isso implicações negativas também para o presidenciável do PSDB Aécio Neves. Quanto à presidente, sua situação, agora, foi avaliada assim pelo jornalista Clóvis Rossi, em artigo na Folha de anteontem: “O que já está evidente é que a vaia, ouvida no sábado no estádio Mané Garrincha saiu às ruas. Não adianta o petismo e a mídia chapa-branca tentarem dizer que a vaia partiu da elite... Nas ruas do Rio anteontem, havia uma vaia clara, na forma de uma faixa: “Fora Dilma / Fora Cabral”.
Jarbas de Holanda, jornalista
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