A elite política devia tentar fazer deste limão uma limonada, produzindo medidas para resgatar a confiança na política e na democracia representativa
Chegamos a um divisor de águas na evolução dos protestos que vêm revelando o que havia abaixo da superfície aparentemente satisfeita da sociedade brasileira. Concedido o recuo no aumento das tarifas de transportes coletivos em São Paulo e no Rio, à custa de subsídios governamentais que sacrificarão alguns investimentos, e já tendo isso ocorrido em diversas capitais, resta saber como se comportará o movimento em relação às bandeiras difusas porém essencialmente políticas: todas as palavras de ordem indicaram uma profunda descrença nas instituições da democracia representativa, como os partidos, o Congresso Nacional e os Legislativos estaduais. Atendido o pleito de natureza econômica, as manifestações vão prosseguir ou refluir, como aconteceu mundo afora com movimentos semelhantes? Venha o que vier, as elites políticas, se entenderam o recado, devem aproveitar a demonstração de vigor democrático para oferecer respostas no sentido de resgatar a confiança na política.
Ora, dirão alguns, o que os protestos mostraram foi desprezo pela política e pela representação. "O povo unido não precisa de partido", dizia uma faixa. Militantes de siglas de ultraesquerda, como PSTU e PCO, foram proibidos de levantar bandeiras. Jovens petistas e tucanos também participaram das manifestações, mas sem camiseta ou bandeira, quase clandestinamente. É compreensível que os movimentos sociais, em sua eclosão, contenham superdoses de utopia e certa irracionalidade, afora a violência e o vandalismo das minorias infiltradas com propósitos pouco claros. Mas, separado o que era reivindicatório — a suspensão dos aumentos — do que é político, acabarão compreendendo que a democracia que dizem defender (e que nem sabem como foi construída), não funciona sem a política, sem os partidos, sem a representação pelo voto. Talvez saibam que a democracia direta, a grega, não é mais possível, é só um eco romântico, embora alguns pensadores digam que a internet será a nova ágora. O que eles disseram, ainda que enviesadamente, é que não estão contentes com o funcionamento do sistema, com o modo de fazer política, como se ela fosse apenas uma sociedade de eleitos, que, uma vez mandatados pelos eleitores, passam a cuidar dos próprios interesses e a servir às conveniências do sistema.
Esse é, pois, o desafio que devia ser agora enfrentado pelos integrantes da elite política: produzir medidas para o resgate da confiança na política. Vale para todos os partidos, pois todos foram alvo dos protestos. Basta ver que o anúncio do recuo nos aumentos, ontem, envolveu governantes do PSDB, do PT e do PMDB. E, país afora, do PPS e do PSB. Se quiserem, talvez consigam fazer deste limão uma limonada, enfrentando, com respostas que certamente não são fáceis, alguns dos pontos que o movimento colocou na agenda. O primeiro deles é a reforma do sistema político-eleitoral. Aí está o PT, com milhares de assinaturas coletadas para a retomada da tramitação da matéria, mas, para ser uma resposta eficaz, a reforma política terá que ser discutida e pactuada com a sociedade. Teria que garantir transparência no financiamento das campanhas, mecanismos de maior controle dos eleitores sobre os eleitos, adotando talvez a revogabilidade dos mandatos, o "recall", e coisas assim, que modernizem nossa democracia.
Alguns políticos falavam ontem da necessidade de serem usadas com mais frequência as consultas populares previstas pela Constituição, o plebiscito e o referendo. O deputado Márcio França, do PSB, já dizia que essa será uma bandeira de Eduardo Campos. Miro Teixeira lembrava sua emenda, parada em alguma gaveta da Câmara, convocando a Constituinte exclusiva, para reformar os sistemas político e tributário. Mas estarão os altos cardeais dispostos a dar esse passo? Até agora, não se viu nenhuma proposição, mas ainda estamos sob o calor da erupção do vulcão adormecido. A lava certamente deixará um bom legado. Talvez melhor que o da Copa.
Os erros e os custos
Um outro legado dessas manifestações será o ingresso dos problemas de mobilidade urbana no centro da agenda. Para suprimir os aumentos, os governantes terão que aumentar os subsídios estatais. Em outros países, o subsídio é bem maior que o praticado aqui. Se a questão já tivesse adquirido maior relevância, os governantes envolvidos teriam evitado alguns erros.
O governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad não teriam viajado para Paris, é verdade que em missão oficial, logo depois de decretado o aumento. O governador teria evitado que sua polícia fizesse uso de tanta violência na quinta-feira passada, bem como as prisões e processos por formação de quadrilha. A criminalização do movimento social revoltou outros segmentos e engrossou as manifestações seguintes, que se espalharam e estão se interiorizando.
O prefeito, ao voltar e enfrentar o furacão, sentiu-se pessoalmente injustiçado. Afinal, ele atendeu ao pedido da presidente para adiar o aumento, que deveria ter ocorrido em janeiro, contribuindo para o controle da inflação. Prometeu aumento menor que a inflação e honrou a promessa. Mas na vida pública, estar com a razão não basta. É preciso criar tal percepção externa, e isso ele não conseguiu.
Fonte: Estado de Minas
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