Prosseguindo na tentativa de entender os últimos acontecimentos, trago hoje para os leitores a opinião de dois cientistas políticos. Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, lembra que há uma regra da política que finalmente se cumpre no Brasil: quando a oposição é impotente no parlamento, acaba indo para as ruas.
A demora para que isso acontecesse tem duas explicações: o governo Dilma é o que tem a oposição mais fraca desde a redemocratização do país em 1985. E, sendo originalmente de esquerda, controla quase todos os grandes sindicatos e movimentos sociais.
Sob fortes governos de centro ou de direita, a oposição de esquerda tem todo o incentivo para se manifestar intensamente nas ruas, como o PT fez durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Já a atual oposição no Brasil, constituída por PSDB (centro) e DEM (centro-direita), não tem capacidade organizacional nem capilaridade social para mobilizar as pessoas para tomarem as ruas.
Octavio Amorim Neto diz que não é à toa que as atuais passeatas no Brasil, além de terem demorado a acontecer, não têm liderança visível e têm propostas muito difusas. Essas seriam, segundo o cientista político, as "condições necessárias" para movimentos desse tipo.
Já as "condições suficientes" têm a ver, segundo ele, com a carestia que agora atormenta o país, os péssimos serviços públicos, a começar pelo transporte, apesar da altíssima carga tributária (36% do PIB, a maior do mundo em desenvolvimento) e a corrupção que grassa a política do país.
Para Amorim Neto, o aumento das tarifas dos transportes públicos, a violência da polícia de São Paulo contra os manifestantes na semana passada, e o início da Copa das Confederações "constituíram uma bela oportunidade para que as condições necessárias e suficientes se somassem e ensejassem o espetáculo que agora vemos".
Já Nelson Paes Leme vê os acontecimentos como o fechamento do ciclo da Nova República, cujo apogeu se deu, na sua visão, com a transição de Fernando Henrique para Lula, dando sequência à estabilidade monetária e às políticas de inclusão social possíveis, "mas absolutamente em descompasso com as gritantes desigualdades da sexta economia do mundo que, segundo estimativas do FMI, deverá se transformar na quarta até 2030".
Não houve, por outro lado, ressalta Paes Leme, o ingente e indispensável enxugamento da máquina do Estado. "Ao contrário, o que se viu foi seu agigantamento corporativo e seu fatiamento fisiológico partidário em feudos medievais para apoio parlamentar, sem falar na corrupção".
Isso se reflete, naturalmente, lembra ele, na péssima qualidade dos serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança. Também na infraestrutura, não apenas com a precariedade dos transportes urbanos, mas dos nossos portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, hidrovias etc.
"A reforma do Estado, a meu ver, é iminente e inexorável, com investimentos de peso nessas áreas, gerando farta, urgente e indispensável criação de empregos". Por outro lado, Nelson Paes Leme considera que o fato de não ter havido uma reforma política imediatamente após a reconquista da democracia representativa, cujo corolário foi a edição da nossa Constituição de 88, "resultou, junto com a crescente corrupção das autoridades públicas em nível alarmante, num distanciamento explosivo entre Estado e sociedade".
Aí estava o ovo da serpente, diz Paes Leme, pois todas as vezes em que o Estado se distancia da sociedade, historicamente, esta vai para as ruas com maior ou menor virulência. "A própria inorganicidade deste movimento é a prova maior da obstrução dos tradicionais canais de comunicação entre sociedade e Estado: os partidos políticos. Os manifestantes arrancam as bandeiras dos partidos das mãos dos (pouquíssimos) militantes que ousam se infiltrar nos imensos e espontâneos movimentos de rua convocados pela internet".
Nelson Paes Leme está convencido, porém, de que novas lideranças surgirão, "por dentro dessa movimentação dialética, para representar legitimamente a sociedade, reformar o Estado e a representação".
Fonte: O Globo
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