Os jornais anunciaram um quórum superior a 5 mil, o que corresponde a 90% dos prefeitos eleitos. Foi a esta plateia, reunida num centro de convenções de Brasília, que, no dia 28 de janeiro deste ano, se distribuiu o panfleto: "Insatisfeito com seu partido? Quer sair dele sem perder o mandato? O Pros é a mais nova opção".
Remetido ao site do partido, o prefeito interessado encontraria o clip com o hino "Para um futuro melhor". Nele sucedem-se imagens de Santos Dumont, do passe livre e de uma pupila de olho pintada com as cores da bandeira brasileira. A legenda traz a letra do hino: "Eu sou do Pros, não posso ser do contra".
Nascia um pequeno partido, mas não havia dúvidas de que se tratava de um grande negócio para prefeitos estreantes e ávidos por proximidade com o poder.
No afã de legislar, STF inflacionou o voto como moeda de troca
Parece trocadilho, mas o dono do empreendimento, de fato, é de Planaltina, cidade de 86 mil habitantes a 60 km de Brasília. Comunga do entorno que projetou Joaquim Roriz à política, mas é parte do Goiás de Carlinhos Cachoeira e Marconi Perillo.
Por que um ex-vereador derrotado em sua tentativa de se eleger deputado estadual é capaz de montar um negócio que requer meio milhão de assinaturas no Brasil inteiro e Marina Silva, que teve quase 20 milhões de votos nas últimas eleições, ainda peleja?
O argumento que um conseguiu as assinaturas porque as comprou e o Rede custa a registrá-las porque não se rendeu à lama, desopila o fígado mas pouco explica.
O Pros começou antes e pagou cabos eleitorais para conseguir assinaturas. Uma parte delas deve ter sido fraudada, mas nem se fossem eliminadas todas aquelas sobre as quais pairam suspeitas o partido deixaria de cumprir as exigências legais.
Mais ainda do que o Solidariedade, que contou com base sindical para recolher adesões, o Pros se valeu de prefeitos e vereadores e de suas diligentes pressões cartoriais. É nesta base municipal, a mais premida pelo cerco da Justiça Eleitoral, de onde sempre se originam os atalhos para a sobrevivência na política.
O afã governista de prefeitos não explica tudo. Dois terços dos partidos no Congresso gravitam em torno do governo. Não faltam, portanto, legendas para quem queira embarcar na situação, a começar do PSD do ministro Guilherme Afif Domingos, que comunga com a legenda nascida em Planaltina a bandeira da redução de impostos.
Pros e Solidariedade devem sua existência a juízes que têm passado os últimos anos a difundir, ao vivo e em cores, a crença de que é possível moralizar a política por acórdão.
Foi a regra da fidelidade estabelecida pelo Supremo que inflacionou o mercado de novos partidos.
Da lei que acabou com o bipartidarismo no país em 1979 até 1995 tinha partido saindo pelo ladrão. De um deles, o PRN, saiu até presidente da República. Como outros, sobreviveu alguns anos e foi incorporado a outra legenda.
Veio daí a exigência de assinaturas equivalente a 0,5% do número de votos válidos nas últimas eleições à Câmara dos Deputados (491.569) para o registro de uma legenda. O Congresso votou ainda leis que estabeleciam a bancada da eleição como a determinante para o acesso às comissões legislativas, ao horário eleitoral gratuito e ao fundo partidário. Até cláusula de barreira aprovaram para limitar o acesso das novas legendas a esses recursos.
O Supremo derrubou a cláusula em 2006 e, no ano seguinte, decretou que o mandato pertencia ao partido e não ao eleito. A essa decisão somou-se o acórdão que permitiu às novas legendas a incorporação da cota do fundo partidário e do tempo no horário eleitoral gratuito trazida pelos parlamentares migrantes.
Foi aí que se abriu a porteira para novas legendas. Na década em que vigiram regras mais restritivas apenas dois novos partidos chegaram à Câmara, PSOL e o PRB da Igreja Universal. A partir dos acórdãos judiciais surgiram o PSD de Gilberto Kassab, PEN, Solidariedade, Pros e talvez o Rede.
Num memorável parecer de 2007, o ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sugerira que se o mensalão resultara da força desmedida de cúpulas partidárias, não seria subordinando parlamentares ao jugo dessas lideranças que se combateria a corrupção na política.
O Judiciário mirou os efeitos e não as causas da crise de representação política. No afã de legislar, inflacionou o voto como moeda de troca.
O Congresso está longe de ter as respostas para essa crise. Vigissem suas leis talvez não tivesse surgido essa profusão de legendas, mas isso não significa que as já existentes seriam mais representativas da sociedade.
Tanto o Supremo quanto o Congresso se recusam a absorver o déficit de democracia interna dos partidos como razão para o troca-troca.
Marina Silva deixou o PV porque não conseguiu que seu grupo político, vitorioso nas urnas, tivesse maior participação nas diretrizes da legenda. Assim como o PV, a maioria das legendas funciona com base em comissões provisórias que acabam se perpetuando como instrumento de poder de oligarquias partidárias.
Em vez de diretórios eleitos com a participação de filiados para mandatos fixos, essas comissões se perpetuam como braços decisórios das cúpulas partidárias na definição de candidaturas e do acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito.
Não foi por coincidência que os primeiros indícios de oligarquização do PT, o partido mais aberto à democracia interna, redundaram no mensalão.
A maioria elege diretórios nacionais mas o grau de democratização diminui à medida que vai se amiudando a Federação. Respaldadas por uma legislação eleitoral cada vez mais restritiva, as comissões provisórias municipais, a mando das lideranças estaduais e nacionais, cerceiam o espaço de correligionários.
Esses dissidentes fundam novas legendas e nelas reproduzem as práticas das quais foram vítimas. Não saíram às ruas em junho, mas o déficit de democracia que os origina é o mesmo que, naqueles dias, marcou o rechaço aos partidos.
Fonte: Valor Econômico
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