Pato manco é uma expressão usada na política americana para designar o presidente que perde força política depois de reeleito quando todo mundo já começa a pensar - e trabalhar - na sua sucessão.
É a partir das eleições legislativas de meio de mandato, quando os presidentes testam sua força no Congresso, que os patos da Casa Branca ameaçam cambalear. Daí que pareça precoce retratar o presidente Barack Obama, reempossado há oito meses, como parte deste bando.
No Brasil nenhum dos dois presidentes reeleitos foi pato manco. Fernando Henrique Cardoso teve um segundo mandato mais difícil que o primeiro mas manteve a iniciativa política. Para desgosto de seu candidato, José Serra, chegou até a reunir os candidatos a sua sucessão para expor o ajuste fiscal adicional que faria antes de deixar o governo.
Luiz Inácio Lula da Silva teve um segundo mandato mais bem avaliado que o primeiro. A iniciativa política retomada no pós-mensalão traçaria o rumo da reeleição e de um mandato mais próximo do que o PT avaliava ser sua missão de governo. A popularidade estratosférica e a eleição de uma novata em urnas como Dilma Rousseff fez de Lula o exemplo mais distante de um presidente que atravessa seu segundo mandato mancando.
O instituto da reeleição é tão novo no Brasil que qualquer semelhança com o que se passa nos Estados Unidos será mera coincidência. Há três fatores, no entanto, que predispõem a presidente Dilma Rousseff a um segundo mandato mais trôpego - e bem antes das eleições municipais de 2016.
O primeiro é econômico. Vai ser muito difícil para qualquer próximo presidente resistir à pressão por ajustes - fiscais, monetários, planetários. São ajustes que requerem capital político e o desgastam.
O segundo é eleitoral. A multiplicação de possíveis candidaturas pode levá-la a enfrentar uma campanha mais dura do que a de 2010. Uma oposição mais fortalecida e a ausência da perspectiva de poder hoje trazida pela reeleição indicam que, se reconduzida, Dilma pode exercer um segundo mandato sob condições políticas mais adversas.
O terceiro é partidário. Os decibéis que se medem na disputa interna do PT são uma prévia do dissenso que marcará o partido num eventual segundo mandato de Dilma. Pela ausência de um sucessor natural e pela dificuldade da presidente de navegar em seu próprio partido, a tentativa de emplacar um preferido, como o ministro Aloizio Mercadante, é promessa de encrenca.
É por isso que o PT sempre tira da manga o nome de Lula como o remédio para todos os males. Se os três cenários do apocalipse se confirmarem é ele quem volta, creem os petistas.
Uma campanha queremista é capaz de enfernizar a vida de quem quer que se eleja. Como as maiores chances ainda são da reeleição de sua candidata é natural que Lula esteja a buscar alternativas.
No calendário da reaproximação do ex-presidente com o governador Eduardo Campos o que mais aparece é a emergência das manifestações que afetaram a popularidade de Dilma e geraram ceticismo em torno de nomes associados à política tradicional, como o do governador de Pernambuco.
Mas a reaproximação também coincide com a percepção de que as dificuldades da presidente com o empresariado resistiram aos sucessivos regalos tributários com que este governo tentou reativar a economia desde a posse. Lula, ao contrário do seu partido, já deu muitas mostras de que vê na confiança empresarial uma alavanca do PIB.
Marina Silva, a despeito das grifes tucanas que tem atraído, ainda assusta. O senador Aécio Neves lidera as enquetes do gênero, mas muitos daqueles que mostram preferência pelo tucano revelam que optariam por Eduardo Campos se nele vissem viabilidade eleitoral.
Não parece ter sido outra a razão por que o deputado Sérgio Guerra, principal braço direito da candidatura Aécio, declarou a Murillo Camarotto, do Valor, que os tucanos contam com a candidatura Campos para levar a disputa ao segundo turno, mas prefeririam que ele falasse mais ao eleitor (petista) do que ao empresariado (tucano).
O incômodo com a empatia entre Campos e o empresariado também já havia sido manifestado por dirigentes petistas que, no início do ano, chegaram a verbalizar a pressão por um ultimato governista ao capital para que se soubesse quem, de fato, estava ao seu lado.
Enquanto petistas e tucanos mostram suas cartas, Eduardo Campos e, principalmente, Lula escondem as suas.
O governador retomou controle sobre sua própria sucessão, que chegou a ser ameaçado pelo poder de cooptação de um Planalto disposto a enfernizar a vida em seu quintal para desestimulá-lo a um voo nacional. Acercou-se dos governadores preocupados com uma candidatura que os afastasse das benesses do poder. Retraiu-se para se distanciar dos protestos e, quando voltou à cena, estava com um discurso mais moderado. Esta semana voltou a dizer que seu grupo político e o PSDB, desde as diretas já, nunca estiveram no mesmo palanque presidencial.
Aquilo que Lula conversa com Campos, um e outro não contam para ninguém, mas as digitais de ambos indicam a armação de um jogo. Para livrar Campos da pecha de traidor com a qual o PT o ameaça, Lula já disse que o governador nada lhe deve e tem o direito de seguir seu caminho.
Concluiu que a rota de seu conterrâneo não tem como ser seguida por Dilma. Melhor, então, que seja percorrida por um "adversário amigo" tanto para a guerra eleitoral que se aproxima quanto para um eventual segundo mandato. É um lugar que independe até mesmo da confirmação de Campos como candidato.
Um Eduardo Campos no Ministério da Fazenda, por exemplo, é o que pode haver de mais próximo de um Lula III no mercado eleitoral. De uma só tacada, reconquistaria a confiança empresarial, frustraria as pretensões dos petistas que já se arvoram pela preferência da presidente, e manteria 2018 na órbita de ambos. Qual dos dois disputará é outra história. Se 2014 é uma página em branco, a disputa seguinte é uma enciclopédia em aberto.
Sim, falta combinar com os búlgaros. Se reeleita, a capacidade de Dilma resistir a tão mirabolantes planos será diretamente proporcional à firmeza com que estiver se locomovendo.
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário