O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ser o dono do apito nas eleições deste ano. Pelo menos é assim, como um árbitro, que ele se apresenta no vídeo divulgado na última quinta-feira nas páginas petistas das redes sociais. Tal qual um juiz tentando se mostrar imparcial, o petista diz acreditar no poder da internet para a democracia, se mostra contrário a vetos ou censura e defende que as pessoas devem ser responsabilizadas pelos próprios atos.
Até aí, o óbvio, algo como uma nota de rodapé num livro de discursos de Lula. Da boca para fora, todos os políticos poderiam repetir as palavras. Mas Lula, durante o vídeo de quase sete minutos, fala mais. Alerta para a necessidade de fundamento no ato de criticar. "Não fazendo o jogo rasteiro, da calúnia ou do baixo nível." O recado está dado, claríssimo. A dúvida é para quem Lula está falando.
O vídeo, antes de ser divulgado pelos jornais, foi publicado na página pessoal do ex-presidente — pessoal, sim, mesmo que alimentada pela equipe dele — e no perfil do Partido dos Trabalhadores. Assim, o petista parece inicialmente ter mirado para a própria militância, o que faria todo o sentido. Um cacique político, principalmente em tempos de campanha, precisa orientar os seguidores.
Militância
Se Lula pensou em falar para os petistas ao produzir o vídeo, ponto para ele, afinal, de alopração, a rede está cheia. Nesse sentido — se é que o sentido é esse —, o ex-presidente chega a dar conselhos, pedindo que as pessoas não fiquem chateadas com o debate. "Quando alguém lhe criticar também, aceite. Isso faz parte da democracia", diz ele, com ar professoral. A confusão, entretanto, começa exatamente no momento em que o ex-ocupante do Palácio do Planalto faz críticas ao tal "jogo rasteiro".
Aí Lula começa a fazer proselitismo com o "baixo nível". "Quando você calunia, você não politiza, não produz um fruto", diz ele, trocando as velhas analogias futebolísticas pela botânica. "Eu acho que a internet é uma árvore que pode produzir frutos novos todo santo dia se a gente tiver, ao sentar na frente de um computador, interesse de que alguém aprenda algo mais." Depois, passa a referências automobilísticas: "Eu tenho liberdade de pegar uma estrada e fazer uma viagem com minha família, mas, se eu for irresponsável, posso matar alguém ou posso morrer".
Discurseira
Por mais que Lula tenha decidido falar para a militância, o discurso vai e volta, com as críticas à bandalheira na internet. E, assim, o texto toma duas outras formas: a pura e simples provocação contra adversários e a tentativa dele de se tornar o árbitro das eleições. Esses dois aspectos mostram como o petista pretende se posicionar ao longo da campanha. Um misto de provocador e de messiânico, alguém acima do bem e do mal, pronto para apontar o erro.
Os dois papéis são incompatíveis, como se sabe. Uma coisa é Lula anunciar, como fez em entrevista a este Correio em outubro do ano passado, que vai percorrer o país fazendo campanha para Dilma Rousseff. Outra é acreditar que pode fazer críticas aos adversários da presidente sem ser parcial. Lula tem um lado, queira ou não. E este lado é o do PT e de Dilma, é o da defesa dos últimos 12 anos de gestão de um partido no comando de um país. Isso não se faz pela metade. É impossível defender a zaga ou vestir a camisa de atacante no primeiro tempo e, nos 45 minutos finais, pegar o apito e se transformar em juiz.
Baixarias
Entre políticos e marqueteiros, há uma expectativa de que a eleição deste ano seja uma das mais duras em se tratando de provocações e baixarias, não necessariamente saídas da cabeça dos núcleos da campanha de candidatos da oposição ou do governo. Os primeiros atos já estão na rede, supostamente produzidos por militantes. Mediar tais ações será uma das missões mais complicadas para os tribunais eleitorais. A tarefa caberá a juízes e a ministros. Lula está fora dessa arbitragem.
Fonte: Correio Braziliense
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