- Folha de S. Paulo /EBC
Primeiro de Maio, eu me lembro. No início dos anos 80 ajudei a criar a CUT no Acre, com Chico Mendes, e acompanhei sua grande dificuldade em fazer a maioria dos dirigentes sindicais da época aceitar a luta dos seringueiros em defesa da floresta. Mesmo os que queriam transformar a antiga estrutura, dos tempos de Getúlio Vargas, ainda resistiam às novas lideranças, bandeiras e formas de organização. Mais tarde, o que se renovou também viu chegar a estagnação.
Releio no livro "Psicanálise e Política" (Zahar, 2006), de Ricardo Goldemberg: parece inevitável que, depois da ruptura, o movimento busque a estrutura, esvazie a potência do ato político e reproduza "a fixidez do regime anterior". Administrar o sucesso e a vitória envolve poder, estrutura, cargos e recursos. Este é, digamos, o capital do trabalho.
Mas tudo muda.
Na civilização em crise, o planeta mostra dramaticamente seus limites. Operários e camponeses convivem com novos labores e variadas formas de contrato e remuneração. Algumas reivindicações antigas transformam-se em direitos consagrados, políticas de Estado ou estrutura das empresas. Agora há demanda por novos direitos. Ao mesmo tempo, multiplicam-se alternativas de inspiração cooperativista, empreendedorismo social, economia criativa. E novas tecnologias estendem o lugar do trabalho do chão da fábrica à nuvem virtual.
Quando um adolescente, na Índia, recebe um pedido pela internet e providencia a entrega de uma pizza em Nova York, estamos, sem dúvida, diante de uma transformação no mundo do trabalho que exige outra igualmente grande na organização e no ideário dos trabalhadores. E não adianta tirar do baú velhas bandeiras ou ensaiar algum neogetulismo para criar novos pais e mães da pátria.
As jornadas de junho do ano passado revelaram uma infinidade de desejos pulsando na sociedade. Depois delas, vimos uma reanimação nos movimentos sindicais em várias categorias profissionais, num esforço para sacudir o marasmo, romper os laços de dependência e recuperar a potência esvaziada.
Há um caminho possível: os novos significados do trabalho ensejam novas utopias. E mais iniciativa. Tememos as demissões que podem vir, por exemplo, numa grave crise energética. Mas quantos empregos podem ser criados com as energias renováveis e programas de eficiência energética? E com o reflorestamento, a gestão das águas, a reciclagem de materiais, enfim, as amplas potencialidades do desenvolvimento sustentável?
O desejo organizado do povo trabalhador pode inaugurar um mundo de saúde e qualidade de vida, educação e ciência, cultura e criatividade. É preciso apontar as antenas para o futuro.
Ex- senadora e ex- ministra do Meio Ambiente
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