Termo de compromisso foi assinado, apesar de alertas feitos por técnicos do Ministério da Saúde
Cleide Carvalho – O Globo
SÃO PAULO - O termo de compromisso da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) de citrato de sildenafila com o Labogen — empresa usada pelo doleiro Alberto Youssef para remessas ilegais de dinheiro para o exterior — que reunia o Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM) e a indústria farmacêutica EMS, foi assinado em dezembro passado sem levar em conta alertas de setores técnicos do Ministério da Saúde. O documento foi assinado em 11 de dezembro pelo secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Carlos Gadelha, e pelo capitão Almir Diniz de Paula, do LFM. O então ministro da Saúde Alexandre Padilha assinou o documento como testemunha.
No ato da assinatura, estava presente também Leonardo Meirelles, apontado como testa de ferro de Youssef e sócio da Labogen. Ele chegou a ser preso na Operação Lava-Jato e é um dos réus no processo, acusado de crime financeiro e lavagem de dinheiro.
O GLOBO teve acesso aos documentos do projeto de PDP, desfeito após a Operação Lava-Jato, da Polícia Federal (PF), revelar que o Labogen era uma empresa de fachada. O projeto era por cinco anos, com valor de R$ 134,4 milhões. Na análise, na qual consta um “de acordo” de Gadelha, os técnicos afirmam que o Labogen não possuía os documentos necessários, como o Certificado de Boas Práticas de Fabricação, embora fosse o responsável pelo desenvolvimento e fabricação do insumo. Dizem ainda que a EMS já fabricava as versões 25mg, 50mg e 100mg e tinha tecnologia para transferir ao LFM, e que a demanda apresentada estava superestimada. Isso porque o projeto previa 4,55 milhões de comprimidos de 20 mg por ano, enquanto as compras, de julho de 2012 a junho de 2013, tinham chegado a apenas a 2,161 milhões.
Dois dias antes da assinatura do compromisso, José Miguel do Nascimento Junior, diretor de Assistência Farmacêutica do ministério, enviou e-mail ao diretor responsável pelos projetos de parceria, Eduardo Jorge Oliveira, alertando que a necessidade maior era para o medicamento na versão 50 mg, e não na de 25 mg ou 20 mg, como previsto no projeto: “Favor atentar para o destaque em vermelho: Neste sentido, não deve haver PDP para a apresentação de 25 mg e sim, somente da sildenafila 50 mg”. Ele repassou junto um e-mail da área técnica, que havia sido consultada.
Os PDPs foram criados para incentivar a produção de remédios no Brasil. O projeto do Labogen e seus parceiros era apenas para produzir comprimidos de citrato de sildenafila de 20 mg, indicado para hipertensão arterial pulmonar. No texto repassado por Nascimento Junior, consta que a doença é de baixa prevalência e incidência. Diz ainda que em São Paulo o medicamento é comprado pelo governo estadual por apenas R$ 0,81, e no Rio de Janeiro, por R$ 0,95. Enquanto isso, o valor de aquisição previsto no projeto chegava a R$ 6,53 por comprimido no primeiro ano do acordo, e R$ 5,32 no último. Hoje o SUS paga R$ 5,88 por comprimido, mas 14 estados já compram mais barato. Os maiores preços são de Goiás (R$ 12,70) e Mato Grosso do Sul (R$ 11,66).
Labogen não tinha alvará da prefeitura
Os técnicos do Ministério da Saúde também ressaltaram na nota técnica, que analisou o projeto apresentado pelo LFM, que o citrato de sildenafila não tem mais patente, e que várias empresas já têm registro do princípio ativo na Anvisa. No e-mail repassado a Oliveira, o técnico lembra que o produto deve sofrer uma forte redução de preços em todos os estados, pois estão entrando genéricos no mercado.
Mesmo assim, sugere que o preço a ser usado no primeiro ano do acordo para a sildenafila 50 mg, que deveria ser feita pela PDP, fosse de R$ 4,47, o mesmo do Mato Grosso do Sul, que aparece entre os que pagam mais caro pela versão de 20 mg. O preço pago atualmente pelo governo federal, segundo ele, é de R$ 5,32 e, portanto, ao usar o valor do Mato Grosso do Sul haveria um “desconto de 16% sobre o preço atualmente praticado”.
A fábrica do Labogen, em Indaiatuba (SP), foi visitada por técnicos do ministério no dia 20 de setembro. Apenas quatro dias antes, em 16 de setembro, foi enviada diretamente a Gadelha uma carta, e não um contrato, assinada pela EMS e pelo Labogen comunicando que as duas empresas haviam fechado parceria.
De acordo com o laudo da visita, quase todos os documentos ficaram de ser apresentados depois. O ex-frentista Esdra Ferreira, alçado a sócio do laboratório por Youssef, disse em depoimento à Polícia Federal que sua atividade era cuidar das licenças e levá-las a órgãos públicos. Informou que a fábrica do Labogen não tinha alvará da prefeitura de Indaiatuba, alvará dos bombeiros ou licença da Anvisa, mas que havia um “ok” do órgão em relação à planta e ao maquinário.
Contou que ele mesmo comprou pela internet, em cemitérios de equipamentos usados, 60 a 80 máquinas, que foram revestidas de chapas de alumínio para ficarem com cara de novas e que estariam prontas para serem usadas.
As escutas da PF mostram que, no mesmo dia da visita, a conversa entre Youssef e o deputado André Vargas (PT-PR) começou cedo. Pouco depois das 8h, Youssef mandou SMS a Vargas dizendo: “Hoje vou na indústria visita dos técnicos”. Por volta de 17h, mandou outra mensagem: “Terminou a visita fomos bem temos que aguardar relatório”. Vargas responde: “Vamos cobrar. Preciso do retorno sobre a estruturação”.
Leonardo Meirelles, do Labogen, afirmou à PF que os contatos com o Ministério da Saúde eram feitos por Marcus Cézar Ferreira de Moura, que trabalhou por alguns meses no setor de eventos do Ministério da Saúde e recebeu para atuar na campanha eleitoral que elegeu a presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, Moura era atendido por Carlos Gadelha e Eduardo Jorge Oliveira.
Em troca de mensagens interceptadas pela PF, o grupo do doleiro comemorou a assinatura do acordo: “Tava todo mundo lá, tava o ministro, o tal de Jorge, Gadelha, cumprimentamos todo mundo”.
Procurado pelo GLOBO, Padilha afirmou em nota que não comentaria aspectos técnicos e que desde o início da apuração do caso se declarou a favor da suspensão da parceria, até o fim da investigação. Argumentou ainda que o termo de compromisso era apenas um início de processo e que haveria outros filtros até a assinatura do contrato definitivo, onde o preço poderia ser reavaliado com base nos preços praticados pelo SUS.
O Ministério da Saúde informou que o termo foi suspenso e que não fez pagamentos. Disse que o foco da parceria era mesmo a versão de 20 mg, “que é a dosagem de maior limitação no mercado” e que a versão de 50 mg seria residual. Na nota, diz que já havia negociado redução de 74% no preço, e que o Labogen tinha prazo até março para estar apto a integrar a parceria.
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