quarta-feira, 21 de maio de 2014

Rosângela Bittar: Triplo teste do PT na propaganda eleitoral

• As ameaças de perda de dinheiro deram certo

- Valor Econômico

Dignos de nota, até agora, do ponto de vista tático e estratégico na propaganda do PT exibida semana passada em rede de TV, como ensaio geral do que vai vigorar na campanha do horário eleitoral gratuito, foram os experimentos em três questões minuciosamente testadas antes com grupos-alvo da propaganda.

O primeiro foi espalhar o medo de fantasma. Como não há candidato adversário ameaçando acabar com nenhum programa de benefício ao eleitorado, o publicitário João Santana optou pela técnica ficcional de criar um monstro para ter o que matar em seguida. E matou. Um modelo recorrente no partido, em discurso da quase unanimidade da cúpula, sobre qualquer assunto, em qualquer tempo, agora incorporado à imagem. As avaliações são de que pesquisas a serem divulgadas este fim de semana confirmarão as sondagens feitas antes da veiculação das peças com os eleitores ameaçados. Ficaram mesmo com medo e a candidata à reeleição, Dilma Rousseff, teria parado de cair na preferência do eleitorado.

É verdade que houve no período uma exposição muito forte da presidente, em todos os Estados, nas grandes cidades, mas nada teria sido mais decisivo que o medo de perder dinheiro, o mesmo bolso onde bate com eficiência a inflação.

Outro teste embutido no programa foi compatibilizar um governo de 12 anos, que pleiteia a recondução para ficar 16 anos, com o desejo de mudança manifestado por 74% dos eleitores ouvidos em pesquisas. Uma mágica aparentemente impossível de ser feita e compreendida, que voltou agora da maneira como o PT resolve muitos de seus dilemas: no discurso. A propaganda firma e reafirma que mudança é com Dilma, significado que até ser apreendido pelo eleitorado já funcionou na batida ritmada da propaganda.

Por último, o PT testou, no programa partidário, a inversão do método para tentar fazer a reforma política de seu modelo, basicamente, com o financiamento público das eleições e a votação em lista elaborada pelo partido. Houve uma tentativa de emplacar essa reforma como um dos pactos anunciados em resposta às manifestações de junho de 2013. Disse a presidente Dilma que o povo estava pedindo a reforma política, e o Congresso deveria aprovar a realização de um plebiscito para decidir qual reforma deveria ser feita.

Não se ouviu nas ruas esse pleito, o Congresso não aprovou o plebiscito, o povo não cobrou e não ficou comprovado que queria reforma política ao reivindicar educação, saúde, segurança, transporte urbano, e todos os demais serviços públicos objetivamente mencionados.

Agora, o PT mudou sua abordagem, estimulando uma pressão de fora para dentro do Congresso, também testada no programa, ao pedir que o eleitorado proponha uma emenda popular ou outra iniciativa pertinente, para que seja aprovada a Constituinte exclusiva ou o plebiscito, que levem à reforma política com financiamento público e votação em lista. O PT recebeu três vezes mais de financiamento privado que os três principais partidos concorrentes juntos, mostram os registros divulgados esta semana na Justiça eleitoral, mas não se vê impelido a maiores justificativas.

A lógica pela qual a presidente Dilma associa a reforma política com as ruas, e os problemas de corrupção no governo com a reforma política, começam a ser desvendadas, porém, nas explicações de integrantes do governo, para tornar mais racional e compreensível o apelo ao eleitorado. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por exemplo, remete sua avaliação a uma carta redigida por ele em 2010, quando era deputado e anunciou que, enquanto o sistema político fosse esse, não disputaria mais as eleições. O sistema político brasileiro é anacrônico, gera corrupção e dificuldade de governabilidade. Os alicerces desse sistema estão na Constituição de 1967. E não houve na Constituição de 1988 mudança no sistema político, porque ela não foi feita por uma Assembleia Nacional Constituinte. "As pessoas tendem a conservar situações que lhes beneficiaram", diz.

As razões pelas quais se identificam a reforma política como solução para a corrupção no governo estão também na declaração de princípios de 2010, diz Cardozo. Para ele, o pior momento de um candidato que quer se comportar dentro de padrões éticos é o momento em que busca financiamento de campanha. "O nosso sistema gera campanhas caríssimas. Enquanto na maior parte dos países as campanhas são feitas por partido ou por distritos, o nosso sistema é anacrônico na medida em que cada candidato coleta individualmente recursos para a sua campanha. Há um universo de disputa que leva à desagregação partidária. Num bairro em que historicamente o PT ganha, todos os petistas vão disputar votos lá, entre si. O maior adversário de um candidato é o candidato do seu próprio partido".

O sistema eleitoral, segundo argumenta o ministro, gera corrupção por causa do financiamento individual e da maneira como as campanhas são feitas. "A campanha por indivíduo leva à descompactação partidária, a partidos que se formam por conveniências táticas individuais, e não ideologicamente".

O que é grave também para a questão da governabilidade. "Tem individualidades eleitas, e não partidos eleitos. As relações passam a ser com indivíduos e não com partidos. Há todo um conjunto muito perverso no processo eleitoral", afirma.

Por todas as dificuldades identificadas o governo decidiu começar a tratar agora a reforma política a partir do que chama de "energia externa", como expôs.

José Eduardo Cardozo explica, finalmente, porque o governo identificou no movimento das ruas um apelo à reforma política. "Independentemente de as pessoas verbalizarem ou não que querem a reforma, havia latente uma descrença de que os agentes políticos, em todos os níveis, pudessem atender às reivindicações. As pessoas não se sentem representadas. Não posso ter um sistema político que continue deslegitimado pela descrença das pessoas. Para sairmos desse impasse temos que ter a sociedade construindo o sistema que a represente. Então, tem que ter um plebiscito para que a sociedade dê as diretrizes do que ela quer. Não é diversionismo do governo."

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