• Até agora, a única coisa certa é o desgaste do governo Dilma e a vontade de mudança
- O Estado de S. Paulo
Entre as analogias para explicar pesquisas eleitorais, a de que eu mais gosto é a que compara o processo político a uma bacia hidrográfica onde o rio principal é a intenção de voto. Os fatos, os fundamentos, a imprensa e a própria atividade política seriam os acidentes geográficos, a base sedimentar do leito do rio, a topografia e as configurações das margens, tudo, enfim, o que dá forma, volume e curso ao rio principal.
Pesquisas são visões parciais e temporárias, mais ou menos nítidas, conforme a qualidade e a abrangência dos instrumentos de medição. Ao fotografar (pesquisar) um determinado momento, o que se vê é um instantâneo do rio principal (opinião pública/intenção de voto), sem que se possa, a partir dessa única foto, prever como serão os próximos movimentos e características desse rio e muito menos onde vai desaguar. Quem já visitou as Cataratas do Iguaçu sabe que elas são precedidas de lagos e remansos que em nada prenunciam o que vai acontecer dali a poucas centenas de metros.
Declarações peremptórias de que “vai/não vai haver segundo turno”, “Dilma vencerá”, “Aécio está no segundo turno” valem tanto quanto um atestado de potabilidade da água do Rio Tietê, medida em suas nascentes, antes de receber as toneladas de dejetos da capital.
É importante entender que as perguntas que o pesquisador faz a uma amostra representativa do universo dos eleitores partem sempre de hipóteses condicionais: “Se as eleições fossem hoje, em quem você votaria/não votaria?”. Acontece que as eleições não são “hoje”. Raciocinar hoje como se estivéssemos em outubro equivale a dormir num bote sem âncora nos lagos e remansos que precedem as cataratas.
Fazer ilações sobre o comportamento do eleitorado usando como referencial seu próprio universo e círculos de relacionamento (reais e virtuais) tem levado a muitos erros e conclusões dissociadas da realidade.
E o que diz o mundo real dos eleitores, dos brasileiros?
Em primeiro lugar, que eles ainda não estão, em sua grande maioria, interessados nas próximas eleições. Quem discute eleições hoje somos nós, estudiosos, militantes, imprensa, membros do governo, das oposições e das instituições mais politizadas. Enquanto já se desenham hipóteses e alianças para o segundo turno, a última pesquisa do Ibope (campo 15-19 de maio) nos diz que apenas 14% declaram ter “muito interesse” nas eleições, enquanto 57% são claros: “Têm pouco ou nenhum interesse” nas eleições. São exatamente os mesmos números de interessados/desinteressados que tínhamos na pesquisa de março.
Esse desinteresse faz com que os candidatos sejam ainda desconhecidos e as respostas, quando cruzadas, produzam contradições, como, por exemplo, a mudança de candidato quando as perguntas se referem às intenções de voto nos dois turnos. Ou as discrepâncias entre respostas sobre a intenção de voto, rejeição e a perguntas a respeito de possibilidades de “com certeza, poderia votar, não votaria de jeito nenhum”.
Não reconhecer esses dois mundos pode levar a erros estratégicos, como dos candidatos da oposição tentando “se diferenciar”, quando a maioria não tem ideia de quem é um e quem é outro. Ou, do lado governista, reconhecer por meio de comerciais que a situação pode mudar, pode retroceder, quando esse perigo não está posto para a maioria dos eleitores.
A única coisa certa - porque independe de conhecimento/análise política, apenas reflete percepções - é o desgaste do governo da presidente Dilma Rousseff e a vontade de mudança. A última pesquisa Datafolha (campo 7-8 de maio) reduziu para 9 pontos o saldo positivo deste governo, que já teve 60 pontos de diferença entre as avaliações ótimo/bom e ruim/péssimo. A pesquisa Ibope, uma semana depois, confirma: o saldo positivo é de apenas 2 pontos, coincidindo com o empate entre os que aprovam/desaprovam o governo e a maioria que já não confia na presidente, deseja mudanças na forma de governar, mas com outro candidato no lugar dela.
Os cruzamentos entre essas avaliações do governo e as intenções de voto deixam claro que, se a presidente Dilma não recuperar o apoio em níveis parecidos com os que tinha antes de junho de 2013, será difícil manter a vantagem de hoje. Até por ser a candidata mais conhecida, está sendo o desaguadouro natural da rejeição provocada pela percepção negativa do governo e suas ações.
Há outros sinais que devem estar preocupando os profissionais da campanha Dilma. São corredeiras que começam a se formar no leito do rio. Além da crescente desaprovação ao seu governo e do crescimento das candidaturas da oposição (à medida que se tornam mais conhecidas) em proporção bem maior que o da presidente, a campanha da reeleição tem à frente, e bem visível, um conhecido desfiladeiro que, já se sabe, tem suas escarpas apinhadas de guerreiros armados, de comportamento imprevisível.
O nome desse desfiladeiro é Copa do Mundo: independentemente dos resultados em campo, o que vai definir se o barco da campanha governista atravessará o desfiladeiro incólume será o sucesso ou não da organização, da segurança, do funcionamento, da fluidez de comunicações, do deslocamento das torcidas, do acesso e tranquilidade nos estádios. E o mais importante: a imagem que o Brasil vai projetar para si mesmo e para a imprensa internacional.
Se tudo der certo, o Brasil sairá da Copa orgulhoso e satisfeito com seu papel de país-sede, reconhecido pelas autoridades, pelas torcidas e pela imprensa, Dilma ganhará um extraordinário alento para seu governo e isso se refletirá imediatamente nas próximas pesquisas. Um fracasso, uma vergonha nacional, se os piores vaticínios que hoje se fazem se concretizarem e o País for exposto à execração nacional e internacional, dificilmente essa nau passará pelo desfiladeiro.
O que existe depois dele conheceremos nas pesquisas de julho.
Professor da Espm, especialista em marketing político
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