• Acusação é o jeito de Marina de reivindicar a herança lulista
- Valor Econômico
O governo Lula, disse Marina Silva, proporcionou lucros recordes aos bancos. A candidata do PSB tem razão. A pretexto de se livrar da pecha de candidata de banqueiros, acabou usando como peça acusatória fato sempre alardeado como feito pelo ex-presidente petista.
O clã Da Silva colocou dois de seus legítimos representantes na política brasileira. Se um precisou chegar à Presidência para conquistar apoio dos bancos, a outra já a disputa com seu beneplácito. É culpa do mandato tampão que acharam de entregar para alguém de fora da família.
A 'acusação' de Marina nada mais é do que o outro lado da moeda de sua escolha para a equipe lulista. Foi um dos dois primeiros ministros anunciados por Luiz Inácio Lula da Silva em Washington, em novembro de 2002. O outro foi Antonio Palocci. De uma tacada, Lula tranquilizou Bovespa e Greenpeace, numa prévia do que fazem hoje as pesquisas de intenção de voto que trazem Marina à frente de sua candidata.
Os Silva têm antigos laços de família. Na campanha presidencial de 1989, Marina era a única vereadora do PT na Câmara Municipal de Rio Branco. Tinha 31 anos, estava no segundo casamento e na terceira gravidez. Sem a companhia de Chico Mendes, assassinado no ano anterior, Marina atravessou o Acre pedindo votos para Lula. A candidata do PSB à Presidência contou ao jornalista Dimas Kunsch (Marina Silva, Salesiana, 2001) ter batizado a filha Moara, 'liberdade' em tupi-guarani, em homenagem ao líder petista.
Nos depoimentos que deu à mais recente de seus biógrafos, a jornalista do Valor Marília de Camargo César (Marina - a vida por uma causa, Mundo Cristão, 2010), o capítulo Lula é o que mais lhe embarga a voz. Já em campanha para a Presidência da República em 2010, disse à Marília ter ficado abalada pela indiferença de Lula ao decidir deixar o governo. "Alguém que trata o outro com indiferença revela algo muito pequeno de sua personalidade. Mesmo estando fora do governo e do PT, penso que continuo tentando ajudá-lo", disse à biógrafa, desatando, em seguida, a chorar.
Os últimos tempos de Marina no governo Lula foram marcados por tudo, menos por indiferença. Seis meses antes de deixar o Ministério do Meio Ambiente, Marina divulgou, sem comunicar previamente ao Palácio do Planalto, dados desastrosos de desmatamento. Determinada à guerra contra os colegas de Esplanada a quem atribuía o desastre, acabou jogando o presidente definitivamente ao lado de seus adversários.
Lula não gostou de ter sido apanhado de surpresa mas guardou o recibo na gaveta. Surpreendeu-a, igualmente sem aviso prévio, com a retirada do programa Amazônia Sustentável de sua alçada. A 'ministra da jardinagem', como um dia se definiu a Lula por não ser consultada em temas estratégicos do governo, deixou o governo sem ter tido uma conversa a sós com o presidente.
Marina conhecera Lula em 1980 quando o líder do recém-fundado PT participou de ato em protesto pela morte de um líder seringalista dentro do sindicato rural de Brasileia. Assistiu ao discurso em que Lula bradava ter 'chegado a hora de a onça beber água'. No outro dia o fazendeiro acusado de ser o mandante do crime foi morto. Lula e Mendes acabariam enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Antes de Lula chegar ao Acre Marina já era uma onça. Queria ir além dos 'empates', quando famílias inteiras enlaçavam-se a seringueiras para impedir que madeireiros as derrubassem. Aluna de História na Universidade Federal do Acre, começou a militância no movimento estudantil pelo Partido Revolucionário Comunista (PRC), o mesmo de José Genoino, e fundou a CUT no Acre sob sua inspiração. Enfrentando resistências pelo radicalismo, o PRC, abrigou-se no PT até ser dissolvido em 1989.
Muitos dos seus companheiros de militância atribuem o abrandamento de sua ação política à conversão evangélica. Mas a moderação de Marina também coincidiu com a vereda que ela começou a abrir para além da sombra lulista. Foi naquele momento que começou a traçar sua rota à Presidência da República.
Filha de pais semi-analfabetos e egressa de movimentos sociais, como Lula, Marina alfabetizou-se aos 14, o que não a impediu de fazer faculdade e de continuar a estudar o resto da vida. Rima mais com o eleitor emergente do lulismo do que seu fundador. Não precisa de uma Carta ao Povo Brasileiro para provar sua moderação. Basta-lhe uma adversária como a presidente Dilma Rousseff.
O que ainda não está muito claro é a base social da candidata do PSB. Em 2010 teve uma base mais parecida com a da primeira campanha petista em 1989. Lula, a exemplo de Marina, também estreou nas disputas presidenciais com melhor avaliação entre os mais ricos e escolarizados do sul e sudeste, ainda que, ao contrário de Marina, sempre tenha tido boas votações no Nordeste.
No Datafolha divulgado ontem tem quase o dobro da preferência de Dilma entre os eleitores com ensino superior e colhe seu melhor desempenho nas faixas médias de renda. Ainda custa a reproduzir o desempenho mais homogêneo de renda e escolaridade apresentado por Lula em sua primeira eleição. Nas simulações de segundo turno, ainda perde para Dilma entre os eleitores de até dois salários mínimos, parcela de renda que congrega 42% do eleitorado.
Ao descrever sua relação com Lula a Dimas Kunsch 13 anos atrás, Marina o compara ao caboclo Inácio, repentista analfabeto do sertão do Ceará de quem seu pai gostava de contar histórias. Inácio pelejava com um outro cantador mais erudito que um dia lhe lança um 'nó' - história a ser desatada no repente - com um mote de ciência. Inácio, o melhor cantador do sertão, perdeu. Marina caiu no choro e conta ter crescido determinada a vingar o caboclo. "Esses dois Inácios estão ambos dentro de mim", disse Marina a Kunsch.
Como o eleitor que mais resiste a Marina ainda é também aquele que demonstra mais apego por Lula, é improvável que a candidata do PSB alveje seus Inácios. Vai continuar a dizer que os bancos, hoje na sua torcida, ganharam muito dinheiro com Lula. Mas isso é apenas o jeito de Marina reivindicar a herança lulista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário