- Folha de S. Paulo
O padrão é recorrente. Uma das coisas mais exasperantes para quem se dispõe a acompanhar políticas públicas no Brasil é o abismo entre o planejado e o executado.
No papel, tudo perfeito: farta distribuição de cifras e metas ousadas; na prática, a sopa rala de meios ignorados, custos obscenos e resultados frustrantes.
Por que é assim? A questão é complexa e remete à nossa formação histórica. "Desde o primeiro século de nossa história", lembra Raymundo Faoro, "a realidade se faz e se constrói com decretos, alvarás e ordens régias". O Brasil escrito das leis, gabinetes e fantasias oficiais sempre guardou escassa aderência com o Brasil do cidadão comum.
Um fator agravante desse quadro em nossos dias é o federalismo truncado da Carta de 1988 que gerou um intrincado sistema de arrecadação e transferência de recursos da União para os Estados e municípios, através do qual, além da baixa transparência e alto desperdício, diluem-se as competências e responsabilidades. Três exemplos recentes ilustram isso:
1) Vencido em 2013 o prazo fixado pela Lei de Saneamento de 2007, só 30% dos nossos 5.570 municípios cumpriram a exigência de apresentar um plano diretor de gestão dos recursos hídricos; entre as 100 maiores cidades do país, 12 apenas implementaram todos os quesitos da lei, ao passo que 34 não apresentaram plano.
2) Situação análoga acontece com a Política Nacional de Resíduos Sólidos: estima-se que menos da metade dos municípios --responsáveis por 40% do lixo gerado no país-- cumpriram as metas fixadas há quatro anos visando um trato minimamente adequado dos seus resíduos.
3) O recém sancionado Plano Nacional de Educação propõe aumento de R$ 23,2 bilhões do gasto anual com creches, pré-escola e ensino fundamental até 2024, mas sem definir como os municípios --que já gastam pelo menos 25% da receita com educação e estão com as finanças asfixiadas-- poderão arcar com isso.
Outra meta do PNE fixa a equiparação do salário dos professores com a renda dos demais servidores de mesma escolaridade --R$ 27 bilhões adicionais por ano--, o que levaria a totalidade dos Estados e municípios à violação, por larga margem, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A inconsistência é flagrante. O governo federal põe e dispõe, o papel aceita, mas os entes federativos --pires na mão-- carecem de recursos financeiros, técnicos e gerenciais para dar realidade aos projetos. No entrocamento da redemocratização, o Estado brasileiro saiu dos trilhos de um modelo centralizador que estava em crise, mas não entrou nos trilhos de um genuíno Estado federativo. Desfazer o enrosco é preciso.
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