• Depois de amargar o terceiro lugar nas pesquisas para o primeiro turno, ser abandonado por aliados e pressionado a renunciar, o tucano chega à segunda fase com 2,8 milhões de votos a mais que Dilma
Bela Megale e Mariana Barros - Revista Veja
Já era mais de 1 da manhã da sexta-feira 3 quando Aécio Neves conseguiu se livrar da multidão de políticos e jornalistas que o seguia na saída dos estúdios da Rede Glo¬bo, onde ele participou do último debate entre os candidatos a presidente antes do primeiro turno das eleições. Com o rosto suado, sob o calor dos holofotes, o paletó amarfanhado pelos abra¬ços recebidos, o candidato do PSDB finalmente en¬trou no carro que o levaria para casa. Acomodado no banco, virou-se para um assessor e disse, abrindo um sorriso: "É... Acho que sobrevivi". Madrugada aden¬tro, seu celular não parou de tocar. Eram cumprimen¬tos pelo desempenho no encontro, comentários eufó¬ricos sobre uma ou outra fala e promessas de reitera¬do apoio num segundo turno no qual, dias atrás, qua¬se ninguém acreditava que ele estaria.
Um mês antes, em outra saída de debate na TV, o clima era totalmente diferente. O ex-governador havia terminado sua participação no debate do SBT pratica¬mente como um nanico. Dezenove pontos atrás de Dil¬ma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB) e ainda desfavorecido no sorteio que definiu quem faria perguntas a quem, teve de assistir ao duelo das favoritas, enquanto se conformava em debater com Levy Fidelix (PR-TB) formas de diminuir os congestionamentos nas grandes cidades. No fim do encontro, observou o batalhão de repórteres dividir-se em dois grupos. Um cercou Marina. O outro rodeou Dilma. Ao encontro dele foram apenas quatro constrangidos jornalistas, rapidamente satisfeitos em sua curiosidade pelas respostas curtas e protocolares de Aécio. Ele voltou para o hotel de carro na companhia de apenas um assessor e um segurança. Não pronunciou nem uma palavra no trajeto. Seu celular não tocou uma única vez.
Naquela semana, até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais entusiastas da candidatura do senador mineiro, pareceu ter entregado os pontos. Em um jantar com amigos na sua casa, antes de embarcar para uma palestra em Nova York, chegou a discutir a necessidade de fazer um pacto de não agressão com Marina, já resignado com a possibilidade de o PSDB vir a apoiá-la no segundo turno. Os comitês de campanha do tucano no Rio e em São Paulo estavam praticamente às moscas. Um jornal de São Paulo chegou a defender em editorial a tese de que ele renunciasse à candidatura. Na propaganda eleitoral, aliados escondiam seu nome — alguns chegaram mesmo a incluir o de adversários no lugar. Aécio estava no fundo do poço.
Existem apenas dois tipos de situação para um candidato quando ele está em um buraco. A primeira é a do obstinado e lutador, mas cujo esforço o enterra ainda mais, pois ele próprio está cavando o buraco. A segunda é a do político que foi jogado no poço por circunstâncias externas, fora de seu controle. A situação de Aécio era desse segundo tipo. A morte trágica de Eduardo Campos produziu um turbilhão de emoções que projetaram sua vice, Marina Silva, para o topo das pesquisas. Ela deixou Dilma e Aécio na poeira. Aécio contrariou todos os conselhos que recebia para subordinar sua campanha à de Marina e pegar carona no que parecia a vitória certa dela. Ele intuiu que a tática correta era atacar Marina e ligá-la ao PT. Nos dias seguintes, começou a subir ponto a ponto, enquanto a candidata do PSB se desidratava. Dois dias depois do debate da Globo e um antes do primeiro turno, apareceu pela primeira vez à frente de Marina. O resto é história: numa eleição marcada até ali por uma morte trágica e três viradas estonteantes, o candidato do PSDB produziu a quarta, derrotando Marina, e a quinta, abrindo os trabalhos do segundo turno à frente de Dilma. Na quinta-feira passada, os institutos de pesquisa Datafolha e Ibope apontaram curiosamente o mesmo resultado: Aécio Neves tinha 46% das intenções de voto e Dilma, 44%. Pelo grau de precisão das pesquisas, que não conseguem captar diferenças menores do que 2 pontos porcentuais, os dois contendores estariam, então, empatados.
Desde o domingo passado, seis novos partidos já aderiram à sua candidatura, entre eles o PV de Eduardo Jorge, o PSC de Pastor Everaldo e o PSB de Marina Silva — mas, nesse caso, veio o partido e faltou sua candidata. Quando mesmo o presidente da sigla, Roberto Amaral, governista até a última célula socialista, teve de anunciar o apoio a Aécio por decisão de seus correligionários, esperava-se que Marina fosse declarai o seu também. A expectativa ganhou força na última quarta, quando a ambientalista se encontrou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na casa dele, em São Paulo. Tucanos esperavam que a reunião servisse apenas para ajustar os últimos pontos em torno de uma sinalização de apoio. Mas, no dia seguinte, a ex-senadora fez uma longa lista de exigências, que incluem um ponto nevrálgico e de difícil neutralização: a retirada, do programa do PSDB, da proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no caso de crimes hediondos. Marina sabe que Aécio dificilmente recuará da proposta — vinda de seu vice, Aloysio Nunes Ferreira, e apoiada por 90% dos eleitores do PSDB. Até alguns de seus aliados acreditam que a demora de Marina em se decidir pode torná-la uma força insignificante na disputa, já que seus eleitores estão fazendo sua escolha mesmo sem a palavra final da líder. Mas, em uma eleição que se anuncia apertadíssima, o apoio inequívoco e caloroso de Marina a Aécio pode ser decisivo.
Aécio quer muito, mas não pode esperar por Marina. Ele atraiu em apenas uma semana 30 milhões de eleitores, que, somados aos 35 milhões que votaram nele no primeiro turno, lhe deram os 46% que aparecem nas pesquisas do Datafolha e do Ibope. Em outras palavras, para cada dez eleitores que votaram em Aécio no primeiro turno, apareceram mais nove dispostos a fazê-lo no segundo. Uma candidatura dobrar de tamanho em uma semana é fenômeno raríssimo. Metade desse crescimento veio dos eleitores de Marina (15 milhões de votos) — 66% do total dela. Aécio conseguiu também atrair o voto antipetista, pulverizado entre vários candidatos no primeiro turno. Segundo Mauro Paulino, diretor do Datafolha, o candidato do PSDB vem avançando sobre a nova classe média: "Parte dos eleitores dos segmentos médios migrou para Aécio por acreditar que ele consegue representar os anseios por uma melhor qualidade de vida sem comprometer as conquistas do passado", afirma. Essa parcela do eleitorado melhorou de vida nos últimos anos, mas tem dúvidas sobre como avançar e medo de regredir. Avalia Paulino: "Quem conquistar esse segmento sairá vencedor". Aécio Neves sobreviveu às ondas que fizeram seu barco quase soçobrar no primeiro turno. Navegou com maestria por entre as pedras e evitou a arrebentação. Agora é ele o tsunami.
"Vou ganhar esta eleição"
Tido como derrotado até meados de setembro, o senador Aécio Neves afirma que, mesmo nos momentos mais desanimadores, nunca desistiu. Ele atribui sua chegada ao segundo turno à decisão de abandonar os conselhos de marqueteiros e assessores: "Se hoje avancei, não foi porque mudei a estratégia ou incorporei outras propostas, mas porque comecei a olhar nos olhos das pessoas, deixando de lado o teleprompter, os textos feitos e as sugestões". Ele acusa o PT de "terrorismo eleitoral", reafirma que vai manter e aprimorar o Bolsa Família e se permite ser otimista: "Vou ganhar esta eleição". Abaixo, a entrevista que ele concedeu a VEJA na manhã de sexta, em seu comitê no Rio de Janeiro.
Bela Megale e Silvio Navarro
Como o senhor se sente, à frente nas pesquisas, depois de ter chegado a ser considerado uma carta fora do baralho?
As pesquisas não vão me tirar do chão. Sei que vamos ter dificuldades lá na frente. Sempre acreditei na vitória, mesmo nos momentos de maior dificuldade. Nós tivemos duas eleições. Uma antes e a outra depois da trágica morte do Eduardo Campos. Naquele momento, minha candidatura se fragilizou, porque o emocional prevaleceu sobre o racional. Minha candidatura é baseada na razão. O meu desafio agora é deixar a emoção aflorar também.
O senhor perdeu da presidente Dilma Rousseff em Minas Gerais, e o seu candidato a governador não se elegeu. O que deu errado?
Quando saí do governo, minha aprovação era de 92%. Mas isso já faz algum tempo. Claro que gostaria de ter tido um resultado melhor lá, mas é preciso saber distinguir as coisas. A maioria dos eleitores optou pelo candidato do PT. Tenho que, democraticamente, aceitar essa opção. Agora, pode ter certeza de que vou chegar bem na frente no segundo turno em Minas Gerais.
Como pretende explicar aos mais pobres que sua política também os beneficiaria, já que o o PT afirma que o PSDB só governa para os ricos?
Esse discurso do governo é de perdedor. O governo sabe que a vida das pessoas só vai melhorar se voltarmos a crescer, a gerar empregos com maior qualidade e se avançarmos em investimentos na área social. Um país que não cresce e não controla a inflação não vai melhorar a vida das pessoas. O governo quer blindar uma parcela do eleitorado que ele acha que lhe é cativa, que ele acha que domina em razão dos benefícios que distribui. É uma deslealdade para com os brasileiros usar essa tática do terror. Porque não é a mim que eles aterrorizam, mas aos cidadãos mais humildes, que dependem desse benefício. É a eles que a inflação pune mais. Quem ganha dois salários mínimos vê 35% de sua renda ir embora com alimentos. A inflação de alimentos no governo Dilma foi de 34%.
O senhor é favorável ao décimo terceiro salário do Bolsa Família que Marina Silva propôs?
Não fiz essa conta do ponto de vista orçamentário. Mas pelo custo atual do Bolsa Família não seria algo que impactasse as finanças públicas. Acho que é uma proposta para ser avaliada nesse conjunto de entendimentos que estamos tendo. Bolsa Família não é favor de partido político, é dever do Estado. No meu governo, ela será mantida, melhorada e, se preciso, ampliada. Vamos elevar a qualidade de vida dessas famílias, analisar as carências de cada uma delas e ajudá-las a se preparar para ter uma porta de saída.
Uma das condições de Marina Silva para apoiá-lo é que o senhor desista da proposta de redução da maioridade penal. O senhor cogita recuar?
Eu não toco na questão do fim da maioria penal. A proposta com que a Marina não concorda, e eu respeito, é que, no caso de crimes hediondos, o promotor avalie se os autores são perigosos e o juiz possa processá-los com base no Código Penal. Isso vale para os Chapinhas da vida (adolescente que estuprou e matou uma jovem em 2003 e está preso até hoje), não é relevante do ponto de vista estatístico, representa menos de 1% dos jovens infratores. Ocorre que hoje há uma indústria cooptação de menores para cometer crimes. A quadrilha pega, leva um homem junto, mata alguém no meio de um assalto, e quem assume o crime mais grave? É o menino de 16 anos, isso está claro nas estatísticas. Eu tenho um projeto que duplica as penas de qualquer criminoso que usou um menor de idade para cometer um delito.
Marina foi alvo de uma das campanhas mais violentas da história das eleições por parte do PT. O senhor está preparado para os ataques do mesmo calibre?
Disputo contra o PT a vida inteira, sempre enfrentei. E quem disputa uma eleição contra o PT tem que estar preparado para tudo, inclusive para calúnia e mentira. Estou sereno. Minha vitória não é boa para mim, é boa para o Brasil. Vou fazer uma campanha propositiva, mas vou responder à altura
a todo tipo de ataque e leviano e irresponsável e ele está acontecendo no submundo e nas redes. Porque senão vai prevalecer a lógica covarde de que não dá para enfrentar o PT porque ele usa truques sujos contra seus adversários. A sociedade está madura para diferenciar aquilo que é verdadeiro ou difamação. Vou ganhar esta eleição.
O senhor fala muito de seu avô, Tancredo Neves. Qual foi o conselho mais útil dele de que o senhor se lembra?
Uma lição muito presente é que, para chegar a determinado objetivo, você pode alterar a estratégia, mas nunca abrir mão dos seus princípios. Do contrário, chegará derrotado ao final. E, claro, é preciso ter paciência, paciência e paciência. Porque, ao contrário do que alguns pregam, a verdade prevalece. Se hoje avancei, não foi porque mudei a estratégia ou porque incorporei outras propostas, mas porque comecei a falar mais espontaneamente, olhando das pessoas, deixando de lado o telepromter, os textos feitos e as sugestões. Respirava fundo e ficava lá na minha meia hora comigo mesmo. Tentava expressar o que ouvia nas minhas viagens, a indignação que ouvi das pessoas. Os debates também foram importantes porque são confrontos diretos, onde as pessoas têm de ser verdadeiras, não há como seguir o script. No telepromter, o João Santana (marqueteiro da candidata Dilma Rousseft) grava uma, dez, trinta vezes. Uma delas dá certo.
O senhor disse que andou muito pelo país ouvindo as pessoas. Qual o maior problema do Brasil?
Se eu quisesse dar uma resposta marqueteira, diria que é corrupção. Mas o que mais ouvi mesmo forma queixas sobre a baixa qualidade do serviço público, com destaque para a saúde e a educação. São muito ruins. Uma coisa me incomoda muito: esse discurso do governo de que "nós mudamos sua vida, o governo federal fez essa obra". Quem muda a vida das pessoas é o próprio cidadão, o sujeito que rala, que acorda cedo e vai trabalhar, que estuda à noite, que chacoalha nesse transporte público horroroso. Não temos governo, mas um transatlântico à deriva. Não temos uma presidente, mas uma candidata "full time" cuidando apenas da campanha e ninguém cuidando do Brasil. Para esse grupo que está ai, o poder é muito mais importante que um projeto de país.
Porque o senhor já anunciou Armínio Fraga como seu ministro?
Vou adiantar outros nomes. Anunciei Armínio porque um dos ativos mais valiosos que nós temos é a qualidade do nosso time. Campanha não é ação solitária de um salvador da pátria. Com a escolha dele, eu sinalizei a qualidade e a direção de uma política econômica transparente, que vai nos permitir o resgate da credibilidade. Com ele, mostro um nível de ministério bem mais elevado do que esse que está aí. Eu anunciei meu futuro ministro da Fazenda, a Dilma anunciou o ex-ministro da Fazenda dela. Quero sinalizar previsibilidade, respeito a contratos, valorização das agências reguladoras, transparência fiscal. O Armínio representa um rumo.
Fernando Henrique foi o presidente da estabilização econômica e da modernização. Lula, o da inclusão social. Que presidente o senhor quer ser?
Quero ser lembrado como o presidente que preservou a sanidade econômica, acelerou a modernização, aumentou a inclusão social, mas que deixou seu maior legado na universalização da educação de qualidade. Quero deixar implantada uma nova escola brasileira – um ensino médio altamente qualificado, com a revisão e a regionalização dos currículos e a qualificação dos professores. Daqui a 50, 100 anos, quando se falar no governo de Aécio, a primeira coisa que virá à lembrança será o presidente que revolucionou a educação e abriu caminho do futuro para o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário