Vanessa Jurgenfeld – Valor Econômico
CAXAMBU (MG) - Maiores partidos da coalizão da presidente reeleita Dilma Rousseff, PT e PMDB estão em permanente tensão no Congresso - como agora, na retomada dos trabalhos depois das eleições - não só por divergências parlamentares, mas por dividirem faixas semelhantes do eleitorado. É o que defendeu ontem o cientista político Rudá Ricci, do Instituto Cultiva, durante o 38º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG).
Para o pesquisador, o PT entrou em disputa pelo eleitorado do PMDB. "Os principais líderes do PMDB são do Norte e do Nordeste, exatamente onde o PT entrou a partir de 2006", disse. Segundo Ricci, o eleitorado do PMDB é cada vez mais próximo do eleitorado do PT. "Há uma disputa de sobrevivência entre esses dois partidos. Agora a disputa é entre PT e PMDB e é isso que vai ocorrer no Congresso no ano que vem", destacou.
Nas regiões Norte e Nordeste, quatro caciques pemedebistas foram derrotados nas eleições a governador: os senadores Eduardo Braga, no Amazonas; Eunício Oliveira, no Ceará; Jáder Barbalho, que não elegeu seu filho, Helder, no Pará; e o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, no Rio Grande do Norte. Braga e Barbalho perderam com o apoio do PT, mas Eunício e Alves tiveram os petistas como adversários.
Para Rudá Ricci, a disputa demonstra que a "concepção lulista" de conciliação de interesses e métodos de negociação fragmentada no Congresso - que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre usou - está em xeque. O cientista político argumenta que, além da conciliação de interesses, há um esgotamento do modelo lulista como um modelo "rooseveltiano" ou de um fordismo tardio.
Ricci cita aspectos como a nacionalização de políticas públicas e de programas sociais como o Bolsa Família, que concentram 65% do orçamento na União. Isso sacrificaria os municípios pela difusão da ideia de incapacidade dos prefeitos de capitanear projetos de desenvolvimento.
O pesquisador lembrou ainda que o subsídio a programas como o Bolsa Família e a política de aumento real do salário mínimo realizaram a inclusão por consumo, mas sem que houvesse a inclusão pela política ou pelo direito. Segundo ele, foi criada uma inclusão pelo consumo, que acabou gerou conservadorismo. "Pela primeira vez, em função do lulismo, temos um alto conservadorismo popular no Brasil, um conservadorismo comportamental", disse.
Em sua opinião, é evidente que o país está dividido em dois polos: o Nordeste, que deu vitória para Dilma, e São Paulo, onde Aécio Neves (PSDB) ganhou. "O embate foi São Paulo com Nordeste, temos uma questão meridional", destacou.
Rudá Ricci também relatou resultados preliminares da pesquisa que fez sobre o trabalho das duas campanhas presidenciais no segundo turno. Para o cientista político, o trabalho da equipe de Dilma Rousseff foi essencial para que a presidente conseguisse superar Aécio, apontado como favorito pelas pesquisas eleitorais no início da segunda etapa. "Quem ganhou foi a competência da coordenação de campanha de Dilma", disse.
A equipe de Ricci fazia contato quase que diário com as coordenações das candidaturas de Dilma e Aécio para a análise de campanhas. O pesquisador afirma que ficou muito impressionado com a competência da equipe de Dilma, "que de longe foi maior do que a [da campanha] do Aécio".
Ricci relata que havia pressão grande nas redes sociais, não de petistas mas daqueles que eram anti-Aécio. Gente que dizia que o PT tinha errado a mão porque teria forçado muito a desconstrução de Marina Silva (PSB), no primeiro turno. Havia a ideia, afirma, de que Marina seria muito mais difícil de ser derrotada no segundo turno. "Ela é mulher como a Dilma e [a equipe da presidente] tinha várias 'qualis' [pesquisas qualitativas] que mostram que, na comparação, Dilma ficaria muito endurecida e pareceria uma pessoa de outro país. A Marina é brasileira, evangélica", citou, destacando que foi a coordenação de campanha de Dilma que "preferiu" Aécio. "O Aécio é homem. Nós escolhemos o Aécio como adversário", conta Ricci, ao reproduzir o que dizia a coordenação de campanha de Dilma. "Eles escrevem isso antes do dia 5 de outubro", ressalta o pesquisador.
Ricci conta que, no fim da primeira semana de campanha ao segundo turno, estava previsto colocar 2 mil "hubs" para começar a municiar a militância nas rede sociais. Na terça-feira, no primeiro debate na TV Bandeirantes, a equipe previa o início da "desconstrução" do Aécio. "E a desconstrução do Aécio vai ser: 'Ele bate em mulher'", lembrou Ricci. A equipe de Dilma teria utilizado a estratégia pois assim atingiria os indecisos, que eram, em grande parte, mulheres acima de 45 anos.
A equipe de Dilma teria dito: "Vamos desconstruí-lo em uma semana. Nos dois primeiros debates a Dilma vai começar a falar sobre uma questão específica de corrupção e no segundo ela vai enfrentar o caráter do Aécio e nós vamos corroê-lo e vamos ganhar com 53% do eleitorado".
O cientista político apontou a coordenação de campanha petista como a mais profissional que diz já ter visto. "Só tivemos, do regime militar para cá, dois momentos de inflexão das campanhas. Uma foi do Collor, que mudou completamente sua estratégia de campanha, e a segunda é essa da Dilma", afirma Ricci, para quem, pela primeira vez, houve uma militância tucana em São Paulo. "O último dado são 15 mil [pessoas] e nunca o PSDB teve uma militância de rua nem na internet. Essa é uma novidade dessa eleição e que vem das manifestações de junho de 2013", destacou.
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