- Valor Econômico
A eleição chegou ao fim. Foi uma longa e extenuante campanha, com altos e baixos. Emocionante e dura. Chegamos ao domingo sem saber quem venceria. Incerteza até o último instante. Acabou. Não deixa de ser um alívio. Já sabemos quem vai governar por quatro anos. Não há terceiro turno. Eleições só em 2018.
Cada um tem sua história preferida e sua explicação sobre o que fez Dilma ganhar e Aécio perder. Não faltam e não faltarão os intérpretes de plantão sobre qual teria sido o recado das urnas, qual a essência da mensagem que os eleitores teriam enviado aos governantes e a oposição. Mera especulação. Não há síntese possível do que quis ou quer o eleitor. São 140 milhões e pico de eleitores, cada qual com suas razões pra ter votado desta ou daquela forma. O fato elementar e essencial é que no que foram chamados a fazer, votar em segundo turno, os eleitores se dividiram.
Dilma foi reeleita por pequena margem. O país está dividido. O fundamental está contido na distribuição geográfica e social dos votos estampadas em todos os jornais na segunda feira. Os mapas sintetizam a informação relevante, deixando claro que a vantagem do PT vem das regiões Norte e Nordeste, enquanto o PSDB leva vantagem nas demais regiões. Maranhão e São Paulo foram os casos extremos. Na terra de Sarney, Dilma recebeu impressionantes 78% dos votos. Em São Paulo, onde os tucanos reinam absolutos, Aécio ficou com 64% dos votos.
Como já alertado por outros analistas, proporções são enganosas. A despeito da tunda levada em São Paulo, em números absolutos, Dilma recebeu mais votos em São Paulo do que em qualquer outro Estado. A razão é muito simples: em São Paulo estão alistados mais do que 25 milhões de eleitores, isto é, pouco mais do que 20% eleitores. A expressão social da polarização se reproduz dentro do Estado: os mais pobres votam majoritariamente PT e os mais ricos no PSDB. A clivagem central é social e não regional. Há mais pobres no Nordeste e os mais ricos se concentram no Sudeste.
Falar que Nordeste elegeu Dilma ou que a derrota de Aécio se deve a Minas Gerais é perder o essencial. Não há um eleitor ou mesmo grupo de eleitores que seja o responsável último pelo resultado. Mesmo se a eleição fosse decidida por um voto não haveria como saber quem foi o eleitor decisivo, que fez a balança pesar nesta ou naquela direção.
Obviamente, nem tudo pode ser explicado com base em indicadores sociais e demográficos. Diferenças regionais não desaparecem de todo. A vantagem do PT entre os mais pobres do Norte e Nordeste é maior do que a verificada no resto do país. Na realidade, nestas regiões, o desempenho do PT é sempre acima da sua média nacional em qualquer estrato social. O inverso se dá com o PSDB. Seu desempenho no Estado de São Paulo está bem acima do esperado em todos os grupos sociais.
No caso específico de Minas Gerais, pelos dados do primeiro turno, o desempenho dos três principais candidatos não desviou significativamente de suas médias nacionais. A votação obtida pelos três candidatos ficou dentro do esperado. Não é de se esperar mudanças significativas neste padrão entre os dois turnos. Na realidade, se o parâmetro forem as eleições presidenciais anteriores, a votação do PSDB no Estado cresceu. Digamos assim, Aécio trouxe o partido para a média nacional, para o esperado. Para o PSDB, São Paulo é ponto discrepante. A votação do partido é bem superior ao esperado.
O fato da votação em Pernambuco ter obedecido os padrões esperados por este simples modelo sociodemográfico figura entre os dados mais significativos deste segundo turno. O PSB e/ou a família Campos se mostraram incapazes de transferir votos para o PSDB. No primeiro turno, Marina teve um de seus melhores desempenhos no Estado, que, desta forma, desviou do padrão observado nos demais Estados nordestinos. A despeito do apoio explícito do clã Campos, estes votos dados a Marina migraram para Dilma, o que trouxe o Estado de volta ao padrão.
Há uma relação direta entre o que se passou em Minas e em Pernambuco. Aécio Neves e Eduardo Campos, ou qualquer outro político, não têm meios ou os recursos necessários para controlar eleitores. Que o PT tenha perdido os votos no primeiro turno em Pernambuco mostra o mesmo: não há eleitorado cativo. Voto tem que ser conquistado. Decisões são sempre relativas, isto é, dependem da comparação entre as opções disponíveis.
A interpretação mais relevante sobre o que se passou domingo passado é a que será feita pelas lideranças do PT e do PSDB. Digamos, a eleição de 2014 é um capítulo encerrado. Quem venceu vai governar. O mandato recebido, rigorosamente falando, não é afetado pela margem da vitória ou suas bases sociais. Do ponto de vista legal, por um ou 50 milhões de votos, não faz diferença. O que importa agora é a eleição de 2018, isto é, quais as lições que as lideranças políticas retiram de 2014 e como estas impactam sobre suas decisões para vencer a próxima eleição.
Assim, como de costume, vale começar pelo óbvio. O PT perdeu votos em 2010 e 2014. A vantagem sobre o PSDB se estreitou. No total, o PT perdeu dez pontos percentuais dos votos nestas duas eleições, cinco em cada. Este é o parâmetro fundamental para o partido. Em 2018, o PT estará completando 16 anos de poder. Não é pouco. O desgaste é inevitável. A analogia é direta: há sinais de "fadiga de material" e a tendência é que esta se acentue. Dito de outra forma: "mais do mesmo" dificilmente vai lhe assegurar mais um mandato.
Ainda assim, é evidente que as maiores dificuldades do partido se deram em seu relacionamento com o mercado. A Bolsa e o dólar se comportaram em 2014 como em 2002 mas, objetivamente falando, não há como comparar estes dois eventos. O temor e as incertezas não são da mesma natureza. Por desastroso que seja o modelo econômico do primeiro governo Dilma, as perspectivas para um segundo mandato não podem ser comparados com o que o PT poderia ter feito em 2003. Seja como for, o mercado tem formas muito diretas e convincentes de expressar suas preferências. A elevação dos juros pelo Banco Central parece indicar que Dilma não vai dobrar sua aposta. O custo de um fracasso seria fatal. Na realidade, se insistir em seu modelo, Dilma depende de que ele venha ser um sucesso retumbante.
Quanto ao PSDB, é inegável que mostrou força na reta final. Cresceu e assustou. Sai fortalecido. Mas não é demais lembrar que a candidatura Aécio andou moribunda por um bom tempo. A ascensão de Marina foi acompanhada de uma revoada de tucanos e de seus aliados. Coube ao PT a tarefa de abater seu voo e, paradoxalmente, a força e a forma como o fez, acabou por fortalecer a candidatura de Aécio, que pode correr por fora e ser o ponto de convergência do antipetismo. Além disto, não se deve esquecer que o PSDB perdeu o governo de Minas Gerais, retirando do partido uma das bases de sustentação do partido. Vai fazer falta. Não é fácil sobreviver politicamente sem administrar orçamentos significativos, implementando políticas e movimentando máquinas e interesses. Restam, é certo, São Paulo, Paraná e alguns outros Estados menos importantes do ponto de vista econômico e eleitoral. Pode ser pouco. Sobretudo para um partido que, até o momento, ainda não aprendeu como fazer oposição fora do período eleitoral.
Para os políticos, a eleição de 2018 já começou. Esta é a lógica do jogo. A despeito do forte engajamento demonstrados pelos eleitores, nossa hora passou. Voltamos ao papel de espectadores. Vamos vaiar e aclamar aqui e ali. Podemos até ir às ruas de quando em vez. Mas a bola agora está com eles. Daqui a quatro anos voltamos a ter o cartão verde e o vermelho para decidir os seus destinos.
Fernando Limongi é professor de ciências políticas na Universidade de São Paulo e pesquisador do Cebrap
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