É sempre animador saber que a satisfação dos brasileiros com a democracia está em alta, conforme pesquisas recentes. Embora as razões do contentamento precisem ser estudadas a fundo - não será descabido imaginar, por exemplo, que o eleitor cujo candidato a presidente da República venceu a disputa tenda a abraçar a democracia com mais convicção do que aquele cujo preferido foi batido nas urnas -, é inequivocamente positiva a tendência geral das opiniões colhidas tanto pelo Ibope em meados de novembro e publicadas domingo no Estado como pelo instituto Datafolha em começos de dezembro e divulgadas ontem.
No primeiro caso, 39% dos entrevistados se declaram satisfeitos ou muito satisfeitos com o sistema democrático. O índice não apenas é o mais elevado desde 2010, mas está 13 pontos acima dos resultados obtidos no ano passado - marcado pelos protestos maciços contra governantes e políticos, indistintamente. E quase a metade (46%) disse considerar que a democracia é sempre preferível a qualquer outra forma de governo. O Datafolha, por sua vez, contou formidáveis 66%, ou dois em três entrevistados, que parecem se encaixar na categoria dos democratas convictos - a melhor marca registrada pelo instituto desde 1989.
Na maioria dos países que a importaram de seus lugares de nascença, a adesão à democracia é mais sujeita a abalos do que, por exemplo, a fidelidade de um torcedor de futebol ao seu time. Este, quando crescentemente insatisfeito com o desempenho da equipe, pode vaiá-la, cobri-la de impropérios nos estádios e pedir a cabeça do técnico e desse ou daquele jogador. Não raro, pode até deixar de ir aos seus jogos. Mas não há hipótese de que venha a trocar de camisa. Já o desgosto com a ordem institucional pode se converter numa espécie de cinismo cívico, com aversão aos políticos, votos nulos e fantasias autoritárias, principalmente entre os que não viveram sob uma ditadura.
Não se deve inferir daí que todo brasileiro com diversos graus de insatisfação com a democracia não veja a hora da extinção da política e da volta dos militares ao poder - a exemplo dos grupelhos que têm aparecido nos protestos contra a presidente Dilma Rousseff e o PT, sendo devidamente rechaçados pelos demais manifestantes. De todo modo, um dado das pesquisas do gênero ao qual se deva dar especial atenção é o da soma dos indiferentes ao regime sob o qual viva o País com os acham que, a depender das circunstâncias, a privação das liberdades pode ser um preço que valeria a pena pagar.
Tsunamis de denúncias de corrupção, como os que vêm engolfando o País desde que começaram a emergir os escândalos da Petrobrás, fecundam o terreno para o desencanto e a revolta com governos, partidos e mandatários - desembocando, em parcelas da sociedade, na idealização de um Brasil entregue aos cuidados de um punhado de puros e duros, implacáveis e incorruptíveis. Não espanta portanto que, para o Ibope, a soma dos autoritários com os que dão de ombros alcance 38%, na média geral. Tipicamente, o primeiro segmento é de jovens de escolaridade e renda médias, residentes no Sudeste (nada menos de 44%).
Nesse ponto, os levantamentos divergem. De acordo com o Datafolha, não passam de 12% a parcela dos simpatizantes de uma (eventual) ditadura. O contingente do tanto faz se limita a 15%, em virtual empate com o menor índice apurado para esse quesito, em 1993. No Ibope, a preferência incondicional pela democracia varia na razão direta do grau de escolaridade dos entrevistados - de 37% entre os que não foram além da 4.ª série do fundamental a 62% dos que têm diploma de curso superior. No Datafolha, estes são 80%, ante 57% na base da pirâmide educacional.
De toda forma, democracia pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Uma porcentagem decerto ponderável dos que têm horror aos políticos e gostariam de ver fechados o Congresso, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores, por serem valhacoutos de corruptos voltados apenas para os seus interesses, nem por isso se diria antidemocrata. Para eles, a quintessência da democracia consiste no direito de votar para presidente da República. O resto é dispensável.
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