• 'Aos 84 anos de idade, começo uma nova aventura’, disse o poeta em cerimônia concorrida
Mariana Filgueiras – O Globo
RIO - Para quem disse que ia “ficar engraçadíssimo” de fardão, tão logo soube da sua eleição como novo integrante da Academia Brasileira de Letras, o novíssimo imortal Ferreira Gullar parecia bem à vontade com o traje, na noite desta sexta-feira, na cerimônia de posse no salão nobre do Petit Trianon, no Centro. Concorridíssimo, o evento pela primeira vez foi transmitido ao vivo pelo site da instituição, pois não havia como suprir a grande demanda de convites (foram mais de mil pedidos, e o salão tem apenas 150 lugares).
Em meio a amigos, como os também imortais Domício Proença Filho, Alberto da Costa e Silva e Marcos Vinicios Vilaça, Gullar era só alegria. Com um sorriso no rosto que parecia mais iluminado que sua vasta cabeleira branca, discursou por 20 minutos para uma plateia atenta, depois das honrarias que fazem parte das cerimônias de posse na ABL: a entrega da espada e do diploma, além da aposição do colar, a cargo dos imortais José Sarney, Ana Maria Machado e Eduardo Portella, respectivamente.
— Aqui estou, feliz da vida, uma vez que, aos 84 anos de idade, começo uma nova aventura, tomo um rumo inesperado que a algum lugar desconhecido há de levar-me. Pode alguém se espantar ao me ouvir dizer que posso encontrar o novo nesta casa, que é o reduto mesmo da tradição, e pode ser que esteja certo. Não obstante, como a vida é inventada, em qualquer lugar em qualquer momento, algo inesperado pode acontecer. Espero que aconteça, mas espero que seja uma surpresa boa — discursou ele, bem-humorado, arrancando risos da plateia, que incluía a atriz Fernanda Montenegro.
Ao chegar à ABL, Gullar reiterou o caráter “surpreendente” de sua candidatura:
— Nunca foi um projeto meu. Todos nós, escritores, éramos contra a academia. Mas a academia mudou. Antes era uma instituição consagradora, mas, depois que entraram meus amigos, perdi todos os meus argumentos. Recomeço minha vida aos 84 anos.
Cadeira ocupadas por poetas
Eleito com 36 dos 37 votos no dia 9 de outubro para a cadeira de número 37 — anteriormente ocupada por Ivan Junqueira (morto em julho), João Cabral de Melo Neto, Assis Chateaubriand, Getúlio Vargas e cujo patrono é o poeta Tomás Antônio Gonzaga —, Gullar relutou por mais de 30 anos a candidatar-se a uma vaga.
— A morte do Ivan foi o fator decisivo para eu decidir me candidatar. Éramos muito amigos. Pensei: é a cadeira que um dia foi de João Cabral de Melo Neto e do meu amigo Ivan. Foi a partir de João Cabral que começaram a se sentar poetas nesta cadeira, então me sinto confortável. O Eduardo (Portella, acadêmico) me ligava sempre, insistindo para que eu me candidatasse. Minha companheira, Claudia, também, assim como muitos amigos. Acho que fiz a coisa certa — disse ele ao GLOBO em outubro.
Sarney foi um dos primeiros a receberem Ferreira Gullar na ABL. Numa sala discreta, ao ser perguntado sobre a política, o ex-presidente desabafou:
— A política é inimiga da felicidade. Estou cansado, mas descobri que agora há um limite insuperável: a idade.
Poeta, mas também ensaísta, tradutor, crítico de arte e dramaturgo, José Ribamar Ferreira, ou Ferreira Gullar, é um dos mais importantes escritores brasileiros. Natural de São Luís, no Maranhão, publicou seu primeiro livro, “Um pouco acima do chão”, aos 19 anos. Entre suas principais obras, estão “A luta corporal” (1954), “Poema sujo” (1976) e “Na vertigem do dia” (1980).
Ganhador do Prêmio Camões em 2010, uma das maiores honrarias da literatura em língua portuguesa, e do Prêmio Jabuti em 2011 (pelo livro “Em alguma parte alguma”), Gullar foi um dos fundadores do neoconcretismo, no final dos anos 50.
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