- O Estado de S. Paulo
Em vez de ficarem brigando para ver quem é mais ou menos corrupto, qual turma rouba mais ou menos ou é mais ou menos refratária aos esquemas corruptores, ou ainda para estabelecer se a culpa pela roubalheira se deve ao caráter dúbio dos humanos, à força do vil metal ou aos efeitos colaterais do sistema eleitoral, nossos políticos deveriam dizer ao povo o que farão para que o sistema deixe de se reproduzir. Mais: deveriam tomar medidas para desde logo bloqueá-lo.
Ou será preciso que o juiz Sérgio Moro continue a lançar advertências como a de ontem? “É perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobrás”. Para o magistrado, “os crimes, quer praticados através de cartel de empresas, quer produto de iniciativa individual de cada empresa, revelam quadro extremamente grave em concreto”.
Há um clima de “decomposição política e moral” no ar. Os mecanismos que alimentam o sistema estão em plena efervescência neste momento em que se está a montar um novo governo: loteamento de cargos, indicações partidárias desprovidas de qualidade técnica ou política, esforços governamentais para acomodar e absorver sob suas asas os dirigentes dos partidos aliados, ou seus delegados e representantes, favores pessoais aos montes, promessas de faturamento futuro – tudo faz com que o sistema regurgite de satisfação e ninguém acredite em fim da corrupção.
Duas razões se destacam na explicação do fato, e no exame de ambas podemos nos lembrar de Gramsci.
Uma é que tudo isso acontece porque há uma forte crise do princípio de autoridade no País, coisa que tem a ver com a dificuldade crescente para que se exercite a hegemonia, a produção de consensos, consentimentos e diretrizes intelectuais. Na falta de estatura, de reverência aos cargos e de argumentos lógicos, compram-se apoios. A porteira se abre.
Outra é a fraqueza dos partidos, especialmente daqueles que controlam e sustentam o governo. Em partidos fracos, sempre haverá um pequeno grupo interno que tomará as rédeas para dizer: “sigam-me que eu tenho a força”, arvorando-se assim em protagonista autorizado a fazer o diabo para compensar a fragilidade do organismo.
Não se trata, pois, somente de dissolução moral, mas de prática política estratégica, de um modo de fazer política. Que quanto antes for superado, menos estragos provocará.
Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp
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