- O Globo
O Sultanato de Omã, onde se realiza desde domingo a reunião da Academia da Latinidade, pretende assumir cada vez mais um papel de mediador dos conflitos da região onde oficialmente está situado, o Oriente Médio. Mas esse papel está sendo desempenhado muito mais pelo exemplo do que pela interferência direta nos conflitos.
Ser classificado como um país do Oriente Médio é um problema para os investimentos internacionais, mas confere a Omã posição geopolítica estratégica - fica na Península Arábica e se limita ao norte com o Golfo de Omã (do outro lado, as costas do Irã e Paquistão), a leste e sul com o Mar da Arábia, e a oeste com Iêmen, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Pelo Estreito de Ormuz (entre o Golfo de Omã e o Golfo Pérsico), passam 75% de toda a produção de petróleo do mundo. A renda per capita é de US$ 25 mil, graças basicamente ao petróleo, que representa 80% de sua economia.
Mas, como explicou Ahmed Bin Yousuf Al Harthy, ministro das Relações Exteriores, em conversa ontem com membros da Academia, a intenção é "aprender com o passado, mas não ficar preso a ele, olhar para o futuro. Caminhar dos valores compartilhados para valores comuns".
Sua receita poderia ser considerada quase ingênua, mas é fundamental para uma região de conflitos, onde a sombra do Estado Islâmico deu ares mais graves aos já instalados. "Paz, respeito mútuo, tolerância" definem as linhas mestras da política externa de Omã.
O Sheik Abdullah bin Mohammed Al-Salmi, ministro dos Assuntos Religiosos, fez a abertura do seminário, que tem o título geral de "Valores comuns num mundo de pluralismo cultural", dando o tom da política de seu país, que pode ser resumido em duas palavras: reconciliação e perdão. Ele ressaltou, para espanto geral, o papel da Igreja Católica no Concílio Vaticano II (1962-1965), que exortou relações amigáveis entre judeus e muçulmanos, um apelo que, para o ministro, representou uma grande concessão aos muçulmanos que classificavam sua religião como uma fé com origens em Abraão como o judaísmo e o cristianismo.
O apelo do Vaticano promoveu uma relação mais próxima de cristãos e muçulmanos no mundo árabe, que foi depois prejudicada pela Guerra Civil libanesa, de 1975 a 1990. Na avaliação do ministro dos Assuntos Religiosos, foram fatores políticos e estratégicos, mais do que religiosos, que obstruíram esses promissores novos caminhos.
O ministro considera que estamos em época apropriada para fazer um balanço das duas décadas passadas. Para ele, olhando pelo ângulo religioso ou ético, a experiência pluralística de Omã agregou novas e promissoras dimensões. Como exemplo, lembra que a região experimentou dois levantes recentes, os movimentos conhecidos como Primavera Árabe e o radicalismo político do Islã conhecido como "jihadismo".
Graças à política de coexistência e ao pluralismo, o país foi capaz de lidar com esses movimentos, ao contrário de Estados vizinhos, incendiados pelas revoltas. Mesmo admitindo que não é possível garantir que nada ocorrerá, o ministro avalia que o modelo político omani tem grande perspectiva de estabilidade e sucesso.
Promovendo reforma e visões iluministas, no entanto, o ministro admite que houve problemas devido a hábitos religiosos arraigados na sociedade árabe. A politização do Islã e o "jihadismo" são as manifestações mais óbvias. Esse extremismo pode ser atribuído, de um lado, a questões religiosas de algumas sociedades da região, mas há questões de política internacional, como a guerra do Afeganistão, que também têm sua culpa, diz o ministro dos Assuntos Religiosos.
Ele, porém, ressalva que os países árabes aceitaram o chamado por uma ética global e assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, mas nas últimas três décadas tem havido grande relutância por parte do Ocidente em reconhecer esses valores compartilhados.
Com a vinda de noções como "O fim da História" e "Choque de civilizações", fomos avisados de que valores como paz, tolerância e reconhecimento não são de fato compartilhados porque vocês e nós os entendemos de modos diferentes, lembrou o ministro. Não há nada, porém, em nossa religião que nos separe, disse.
O ministro defendeu urgente reforma religiosa para combater a distorção de conceitos em que partidos políticos religiosos e facções têm se engajado. "Creio que instituições religiosas fortes podem derrotar o fundamentalismo, seja no Ocidente ou no mundo árabe".
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