• Lobby de centrais sindicais pode levar à redução do novo período mínimo do benefício, de 18 para 12 meses
Cristiane Bonfanti, Ana Paula Ribeiro e Clarice Spitz – O Globo
BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO - Diante da insatisfação das centrais sindicais, o governo estuda rever as regras que restringiram o acesso ao seguro-desemprego. A ideia é conseguir algum apoio dos representantes dos trabalhadores para aprovar, no Congresso Nacional, a medida provisória (MP) que alterou as normas. Uma das possibilidades em estudo é a redução, de 18 meses para 12 meses, do período aquisitivo para ter acesso ao seguro pela primeira vez. Em dezembro, ao anunciar a elevação desse período de seis para 18 meses, o governo foi muito criticado, especialmente pelas centrais sindicais.
- A redução desse período é uma das pautas das centrais sindicais e há uma chance real de isso acontecer - disse uma fonte do governo.
A avaliação interna é que, se houver uma mudança na regra para o acesso à primeira parcela, provavelmente isso atingirá o período aquisitivo exigido para se ter direito ao benefício pela segunda vez - que seria de 12 meses de trabalho nos 16 meses anteriores à dispensa injustificada.
O governo se dispôs a negociar as regras depois da reunião realizada no último dia 19, em São Paulo, com as centrais sindicais. Estas afirmam que o Executivo cometeu um equívoco ao restringir o acesso ao benefício, sobretudo em um momento em que a taxa de desemprego pode subir. E reclamam do fato de o governo ter feito as alterações por meio de MP, em vez de realizar uma discussão prévia no Congresso.
Na semana passada, em Davos, na Suíça, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o modelo do seguro-desemprego está "ultrapassado", o que causou ruído no próprio Palácio do Planalto e entre os sindicalistas. Há duas semanas, o Ministério do Trabalho divulgou estimativa apontando que as novas regras devem limitar o acesso de 2,27 milhões de trabalhadores ao benefício este ano. Isso representa 26,58% dos 8,55 milhões que pediram o seguro no ano passado.
- O governo está disposto a negociar - disse a fonte do governo.
Apesar de o governo ter sinalizado uma flexibilização das novas regras, as centrais sindicais estão pouco dispostas a dialogar e afirmam que não aceitam a redução dos direitos dos trabalhadores. No próximo dia 3, haverá um encontro entre representantes do Executivo e das centrais, em São Paulo, para discutir o assunto. E os sindicalistas fazem hoje uma marcha em diferentes capitais para pedir a revogação da MP.
- Queremos a revogação das propostas. Em 2013, quando o governo levantou a questão de melhorar o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fizemos, junto com as outras centrais, uma série de propostas. O governo não deu a mínima e agora propôs essa medida provisória - disse o presidente da Força Sindical, Miguel Torres.
Ele defende algum tipo de compensação por parte das empresas beneficiadas pela redução do PIS/Cofins, mas que acabaram demitindo:
- O governo foge de alguns temas, como a taxação de grandes fortunas, mas concedeu desonerações tributárias sem o pedido de contrapartidas e aumentou os impostos pagos pela população.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também é contrária a qualquer tipo de alteração. O secretário de Finanças da entidade, José Quirino, disse que o governo deveria buscar soluções para reduzir a rotatividade dos trabalhadores, pois isso limitaria os gastos com o seguro-desemprego.
- Nossa expectativa é que o governo revogue as medidas apresentadas no fim do ano passado e não retire nenhum direito dos trabalhadores - disse Quirino, que ainda alfinetou Levy. - Acredito que o ministro está completamente desatualizado da realidade brasileira. Ele teria que se empenhar para reduzir a rotatividade. Quando isso acontecer, talvez seja menos necessário o seguro-desemprego, mas enquanto a rotatividade for alta temos que ter isso.
América do Sul: 12 meses para acessar seguro
Se de fato adotar a exigência de 12 meses para que o trabalhador tenha direito a obter o seguro-desemprego, o Brasil estará se equiparando aos demais países da América do Sul. Levantamento realizado pelo especialista em economia do trabalho da PUC-Rio e coordenador da plataforma DataZoom, Gustavo Gonzaga, mostra que hoje Brasil e Argentina são os países mais generosos do continente, por requererem um período mínimo de seis meses para a concessão do benefício.
Com algumas diferenças. No Brasil, o valor do benefício corresponde a 100% do salário mínimo. Já na Argentina, ele corresponde à metade do salário nos quatro primeiros meses, com piso entre 250 pesos e teto de 400 pesos. E o pagamento do benefício pode se estender a 12 meses.
Gonzaga ressalta, porém, que se o governo mantiver a decisão de alterar o período mínimo para 18 meses, o Brasil terá as regras mais rígidas do continente.
Hoje, Chile, Uruguai e Venezuela requerem um período mínimo de 12 meses para se ter direito ao benefício. No Chile, o trabalhador tem que ter ao menos 12 meses de contribuição, contínua ou descontínua, nos 24 meses anteriores à demissão. O benefício é pago em cinco parcelas, e o valor corresponde à metade do salário antes da demissão no primeiro mês, caindo depois para 45%, 40%, 35% e 30%.
Na Venezuela, são exigidos 12 meses de contribuição nos 18 meses anteriores à demissão. O valor corresponde a 60% do salário médio durante quatro meses, prorrogáveis desde que o trabalhador esteja fazendo curso de capacitação. Já no Uruguai, a concessão varia conforme o setor: na indústria e no comércio, o período mínimo é de seis meses; para trabalhadores rurais, de 12; e para domésticos, varia de seis a 12 meses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário