- O Globo
Depois de ficar quase um mês em silêncio, a presidente Dilma Rousseff reapareceu ontem exigindo de seus ministros que travem a batalha da comunicação, aprofundando dessa maneira as contradições de seu primeiro discurso do segundo mandato.
"Nós devemos enfrentar o desconhecimento e a desinformação, sempre e permanentemente. Nós não podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre. Reajam aos boatos. Levem a posição do governo à opinião pública. Sejam claros. Sejam precisos e se façam entender", determinou a presidente, que desde que foi reeleita não faz outra coisa a não ser criar mensagens desencontradas sem aparecer em público para esclarecer qual sua verdadeira posição.
Quando o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, teve que desmentir que o governo preparava nova regra para a definição do salário mínimo, correu o boato de que fora Dilma, da praia onde descansava, que o desautorizou. Mas nunca foi esclarecido o episódio. Agora, em Davos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, desmentiu duas ou três declarações atribuídas a ele, e não se sabe se foi ele mesmo quem resolveu assim, ou se foi a presidente Dilma quem o obrigou a fazê-lo.
A presidente Dilma continua com a mania de desmentir a realidade, como se estivesse a seu alcance. Apesar das mudanças de regras em benefícios sociais, Dilma afirmou em seu discurso que a medida não significa perda de direitos trabalhistas. O que o governo está fazendo, segundo ela, é "adequar o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte e o auxílio-doença às novas condições socioeconômicas do país".
Como a fiadora do novo caminho que está tomando a economia brasileira, a presidente deveria ter feito há muito tempo o que fez ontem, embora de maneira acovardada e indireta. Custou-lhe admitir que está perseguindo um reequilíbrio fiscal, o que significa que alguma coisa estava desequilibrada nas contas do governo.
Mas ela justificou esse desequilíbrio, que não admitiu na campanha eleitoral, de maneira bisonha, afirmando que foi preciso perder o controle das contas governamentais para garantir o emprego e a renda, justamente o que está em risco depois de quatro anos de crescimento econômico pífio e desordem nas contas públicas.
De qualquer maneira, o fato de a presidente Dilma ter bancado as medidas já apresentadas pela nova equipe econômica é sinal de que ela sabe que não tem outro caminho. Agora, terá que convencer seus próprios aliados, especialmente no PT, de que o melhor para o país sair da enrascada em que se meteu é sustentar as "medidas corretivas" para o reequilíbrio fiscal da economia.
Ao abordar os problemas que seu governo vem enfrentando ainda no primeiro mês, a presidente manteve sua postura de alheamento da realidade, sem se referir em nenhum momento à ameaça de racionamento de energia. Para ela, só existe problema com a falta de água, e o governo federal entra na história como o grande benemérito, ajudando os governos estaduais a resolverem os problemas, inclusive São Paulo, o maior estado governado pela oposição.
Também em relação à Petrobras, a presidente Dilma continua tergiversando, como se nada tivesse a ver com os problemas que estão sendo investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. A preocupação da presidente em ressaltar que as empresas não podem ser destruídas quando se investiga casos de corrupção tem a ver não apenas com a Petrobras, mas principalmente com as empreiteiras que estão envolvidas no Petrolão.
Num dia em que a maior estatal brasileira se debatia em suas entranhas para tentar parir seu balanço financeiro referente ao terceiro trimestre de 2014, que já fora adiado duas vezes, com baixas contábeis provocadas pelo escândalo, a presidente Dilma reafirmou toda a política do pré-sal, com a manutenção da necessidade de cotas para maquinário nacional e investimentos mínimos de 30% em cada campo, impossível dentro da realidade financeira da empresa pós-petrolão.
Uma insistência em brigar com a realidade que demonstra que os percalços surgidos ainda não foram suficientes para que Dilma 2.0 caia na real.
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