A pancada sofrida por Dilma Rousseff com os resultados do Datafolha sobre o início do segundo mandato, resumidos nos títulos internos da Folha de S. Paulo de domingo último – “Corrupção na estatal e crise econômica fazem popularidade de Dilma despencar” e “Oito em cada 10 brasileiros esperam alta da inflação” – foi certamente muito doída. Mas parte de tais resultados, indicativa de rápida e forte queda de apoio ao governo na população de até 2 e de 5 a 10 salários mínimos, inclusive no Nordeste, ademais de maltratar a presidente foi ainda mais doída, e preocupante, para o chefe do lulopetismo e candidato a mais um mandato em 2018. Porque atingiu e afetou significativamente a peça-chave de sua liderança – o populismo assistencialista. Peça da qual esperava que resistisse, como o fez na crise do mensalão em 2005 e 2006, à repetição dele (numa escala bem maior) com o megaescândalo do petrolão. Num cálculo que ignorou ou subestimou a grande diferença, entre os dois episódios, dos cenários econômicos em que se deram.
O xeque à dama, com a reversão dos índices anteriores, de dois meses atrás, de avaliações positiva e negativa – esta agora elevada para 44%, contra 23% daquela –, teve sua escala bem ampliada pela aguda deterioração da imagem ética da presidente: da pessoa radicalmente íntegra, do marketing de João Santana, à de uma governante “mentirosa”. Que “tinha conhecimento da corrupção na Petrobras”, para 77% dos entrevistados na pesquisa; para 52% que ela sabia dos desvios e deixou que continuassem; para 47% que a consideraram “desonesta”; além de “falsa” para 54%, e de “indecisa”, para 50%. Desmonte de imagem ética combinado com o de “gestora competente e a serviço dos pobres”, segundo a qual a inflação e as contas públicas estavam “sob controle” e a economia em crescimento e pronta para expandir-se mais em 2015. Tudo isso seguido, logo após a disputa presidencial, pelo imperativo de um ajuste fiscal duro e restritivo como resposta ao descalabro das contas públicas, num contexto de forte pressão inflacionária, de estagnação da economia e de perigosa ameaça de perda do grau de investimento (internacional) do Brasil. Ao que se somam a fragilidade do Executivo no Congresso, e os desdobramentos da operação Lava-Jato, com o risco de graves implicações para os sucessivos governos petistas, de par com os de repercussões bem danosas para a economia.
E o xeque ao rei, o sofrido por Lula, tem a ver, em um plano, com o agravamento dos problemas econômicos e políticos que sufocam a sucessora. De cuja governabilidade dependem a consistência e até a manutenção do projeto de volta ao poder em 2018. O que condena criador e criatura a se manterem juntos, mal-grado as turras, crescentes, entre os dois. Enquanto, em outro plano, decorre do desgaste de uma condicionante, igualmente ou mais decisiva para a viabilidade desse projeto: o peso eleitoral do populismo assistencialista. Garantido pela multiplicidade de bolsas, “benefícios sociais” e subsídios de todo tipo para a população de baixa renda e a chamada nova classe média. Através de programas não institucionalizados como políticas de Estado a fim de poderem ser aparelhados e capitalizados pelo lulopetismo. A abrangência e a eficácia dessa condicionante, porém, estão ameaçadas e já reduzidas por exigências básicas da economia (capitalista) do país. A progressiva multiplicidade de programas do gênero, articulada com o gigantismo estatal e um salto dos seus gastos, foi propiciada, a partir do pleito presidencial de 2006, pela estabilidade mantida até 2005 no primeiro mandato de Lula, e pela bonança da valorização das commodities, que então começava, hoje esgotada.
De lá para cá, especialmente nos últimos quatro anos, aprofundou-se a deterioração daquela estabilidade, simultaneamente com o esgotamento de tal bonança. O que levou ao descalabro fiscal e à bateria de outros indicadores macro e microeconômicos negativos do final do governo Dilma 1 e à incerteza de governabilidade em seu segundo mandato. Incerteza que impôs a escolha do ortodoxo ministro da Fazenda Joaquim Levy, forçando o Palácio do Planalto a assumir um ajuste fiscal que, necessariamente, tem de restringir, o populismo assistencialista, e tentar o reequilíbrio fiscal com aumento da carga tributária e um tarifaço dos preços de energia, combustíveis e transporte público. Cujos efeitos, agravados por inflação e juros nas alturas e pelo quadro recessivo (que comprime o mercado de trabalho) atingem principalmente a população de menor renda. Contexto que desafia a ambivalência pragmática de Lula: a um só tempo, bem informado por suas articulações empresariais de que o país se tornará ingovernável sem um ajuste fiscal como o proposto e, aba-lado pela erosão de seu eleitorado essencial, com a esperança de que o recuperará com uma retomada do crescimento em 2016 ou 2017. Mas esperança fragilizada pela sequência do petrolão e pela precariedade de condução de resultados do governo Dilma. Inclusive quanto ao encaminhamento ou desistência do ajuste.
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Jarbas de Holanda é jornalista
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