• Até agora, a única autoridade a reconhecer publicamente que, no seu primeiro mandato, o governo Dilma havia cometido “erros grosseiros” (no caso da política de desonerações) foi o ministro da Fazenda, Joaquim Levy
- O Estado de S. Paulo
Como é difícil de arrancar um reconhecimento básico da presidente Dilma.
Durante meses ela não admitiu nem sequer que o navio fazia água. Depois, quando não podia mais esconder o desastre, passou a dizer que este tinha como únicas causas a crise externa e a estiagem.
Depois de muita embromação e das críticas inevitáveis, a presidente passou a admitir, com as devidas sutilezas, que não podia mais insistir na chamada nova matriz econômica do ministro Guido Mantega: “O mundo mudou, o Brasil mudou e as circunstâncias mudaram. Tivemos de mudar a forma de enfrentar os problemas”.
Essa mudança tinha vagamente algo a ver com ciclos econômicos, que independem das políticas: “A dificuldade do Brasil é conjuntural e passageira. Provém da segunda fase da crise externa”, disse Dilma no dia 8 de março.
Mas como as coisas mudaram, se a crise externa e a estiagem ainda estão aí, como vinha dizendo a presidente? Bem, admitiu ela, “desoneramos impostos e aumentamos subsídios. Esse caminho se esgotou. Devemos iniciar outro”.
Finalmente, na segunda-feira, depois dos panelaços e das mais impressionantes manifestações desde o movimento das Diretas Já, a presidente admitiu uma falha do governo: “É possível que a gente tenha cometido erro de dosagem”.
Mero erro de dosagem não explica as proporções do desarranjo. A opção por uma política econômica experimentalista e gastadora é a principal responsável pela desorganização das contas públicas, pelo crescimento zero, pela desidratação da indústria, pela queda vertical do investimento, pela inflação que agora tende a ultrapassar os 8% em 12 meses, pela deterioração das contas externas e pela queda brusca da confiança.
Até agora, a única autoridade a reconhecer publicamente que, no seu primeiro mandato, o governo Dilma havia cometido “erros grosseiros” (no caso da política de desonerações) foi o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Mas foi severamente repreendido pelo que disse.
Admitir os erros na condução da economia é uma etapa necessária para explicar o ajuste. Como a população poderia aceitar esse brusco aperto de cintos, se ao longo de toda a campanha eleitoral a presidente candidata repetia que a economia era uma maravilha, que não havia nada de errado nas contas públicas e que a política de responsabilidade fiscal era pregação dos ortodoxos de rabo preso com o capital internacional?
Segunda-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), avisava que ninguém do governo explicava nem a necessidade do ajuste nem o que viria depois dele, para que valesse a pena.
O povão também não sabe porque ficou tão importante evitar o rebaixamento da qualidade da dívida do Brasil. Nem porque tudo pode piorar na vida do brasileiro se isso acontecer. Depois de tudo o que o governo disse das agências de classificação de risco, por que aceitar bovinamente seu jogo? Não é este um procedimento dos banqueiros internacionais identificados com os interesses de Wall Street? Por que, então, conformar-se com passar a pão e água? Pois isso também tem de ser explicado pelo governo.
É claro que isso implica abandono do discurso antigo, o mesmo que marcou todo o primeiro mandato Dilma. Mas é a única saída para evitar o processo de desintegração que agora toma o governo.
La nave va
Há apenas um mês, a presidente Dilma mostrava constrangimento pela política de ajuste fiscal que se viu obrigada a adotar. Por falta de opção, agora ela já a defende publicamente. Enquanto isso, as manifestações indiretamente parecem ter fortalecido o ajuste. Os empresários que repudiaram as restrições à política das desonerações anunciadas pelo ministro Joaquim Levy começam a se engajar na política de aperto fiscal, como caminho necessário para o restabelecimento da confiança.
Estelionato eleitoral
Ficam sem discurso setores do PT que criticavam a companheira Dilma por sua traição ao discurso de campanha e os sindicatos que repudiaram as decisões do governo que, segundo eles, colocam em risco os direitos dos trabalhadores.
E os manifestos?
Também passaram a falar sozinhos os economistas da Unicamp que subscreveram manifestos de rejeição à nova política.
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