terça-feira, 19 de maio de 2015

José Paulo Kupfer - Facão afiado

- O Estado de S. Paulo

O que parece ser não é, quando o assunto é contas públicas. Questões tributárias, orçamentos, gastos públicos e receitas fiscais parecem temas bem específicos da economia, mas, na verdade, sempre giraram na órbita da política e dos políticos. Ainda que sempre tenha sido assim, se alguém tinha alguma dúvida dessa circunstância, não há mais como evitar a constatação, diante dos embates e dilemas fiscais que contrapõem, no momento, Executivo e Legislativo.

Está prevista para quinta-feira a divulgação do contingenciamento de gastos a ser empreendido pelo governo em 2015. O tamanho dos cortes ou dos bloqueios de recursos, já se sabe e não poderia ser mais sintomático, deverá variar na razão inversa do que for alterado no Legislativo em relação às propostas enviadas pelo Executivo, com foco agora no projeto de lei que revê a desoneração da folha de pagamentos de algumas dezenas de setores econômicos. O total do contingenciamento ficará na dependência da decisão do Congresso, que já impôs, na atual legislatura, uma penca de derrotas ao governo Dilma Rousseff, reduzindo o calibre do ajuste fiscal em que seu governo está empenhado.

Depois de uma reunião de quatro horas, no domingo, em que foram debatidos cortes de despesas no intervalo de R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões, Dilma e sua “junta orçamentária” (os ministros Aloizio Mercadante, da Casa Civil, Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento) parecem ter fixado como ponto-base o valor de R$ 70 bilhões, que poderá subir ou descer, em margem estreita, dependendo do que o Congresso aprontar. No que já foi aprovado ou bem encaminhado, o Legislativo reduziu em R$ 4 bilhões, equivalentes a quase 30% do total de R$ 18 bilhões, os cortes propostos pelo Planalto.

Os riscos de novos cortes nas propostas do Executivo se concentram agora na votação do projeto de redução de desonerações na folha de pagamento, que tem maior potencial de ferir interesses setoriais variados. O esforço exigido do governo para cumprir a meta de produzir um superávit fiscal primário equivalente a 1% do PIB é enorme, na medida em que terão de ser absorvidos os déficits primários acumulados, que chegam a R$ 30 bilhões, em 12 meses. O montante de economia estimado para fechar essa conta vai a pouco menos de R$ 100 bilhões.

De janeiro a abril, o total das despesas da União teve redução real de 15,6%, em relação ao mesmo período do ano passado. Ocorreu grande contração nos investimentos públicos, que recuaram, também em termos reais, quase 50%, na comparação com o primeiro quadrimestre de 2014. Chama a atenção a evolução dos cortes nesse item: queda de 24%, no primeiro bimestre, de 31%, no primeiro trimestre e de 50%, no primeiro quadrimestre.

Mesmo com esse autêntico choque nos investimentos, a economia obtida não foi maior em razão da fortíssima expansão das despesas de exercícios anteriores. Dados do Siafi, organizados pela ONG Contas Abertas, mostram que os gastos, nessa rubrica, aumentaram mais de 70% nos primeiros quatro meses de 2015. Trata-se de uma postergação de despesas contratadas gritante, que reflete a sucessão indefensável de truques e manobras característica da administração fiscal no primeiro governo Dilma.

Na véspera de determinar, com a definição do contingenciamento de gastos, as características do ajuste de 2015, fica claro que a dificuldade de aprová-lo no Congresso com o mínimo de desfiguração possível será menor do que o esforço necessário para evitar um reequilíbrio das contas públicas de má qualidade e a contratação, em consequência, de uma recessão funda e prolongada. Como nos ajustes anteriores, depois do Plano Real, será quase impossível evitar que ele se dê mais por aumento de impostos e facão afiado nos investimentos públicos do que por redução firme, mas conscienciosa, de despesas.

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