- O Globo
Uma das questões mais delicadas da negociação política é a compatibilização do tempo dos parlamentares com o dos governantes. No Brasil, até recentemente, os governantes determinavam o tempo dos políticos, consequência de um hiperpresidencialismo de fato que vigorava.
O máximo que o governo admitia era pagar a lealdade de um parlamentar, ou de seu partido, com cargos e nomeações. Viu-se, a partir do mensalão, que o pagamento em dinheiro vivo passou a fazer parte dos esquemas políticos, que foram sendo ampliados em seu escopo até desfazerem-se no ar, evidenciando que sempre foram crimes comuns. A partir de certo momento, a desfaçatez permitiu que os políticos envolvidos nessas tramoias que vão sendo descobertas dia após dia dispensassem os subterfúgios para simplesmente embolsar algum dinheiro. A cúpula petista ainda tenta mascarar esquemas como os do mensalão e do petrolão com objetivos políticos supostamente maiores, como financiamentos de campanhas políticas.
Mas, na verdade, o aspecto puramente criminoso desses esquemas se sobressai à medida que as investigações avançam. Com o governo enfraquecido, diante das inúmeras evidências de que acobertava um esquema criminoso na Petrobras, o Congresso passou a ter cada vez maior autonomia, e o tempo dos políticos dissociou-se do dos governantes, criando-se um caos parlamentar, que é o que hoje temos em termos de coalizão partidária governista. A maioria teórica já não existe mais na prática, embora o governo feche os olhos para a dissidência da base aliada, em alguns casos total como a do PDT, que atualmente vota em massa contra o governo, mas mantém o Ministério do Trabalho como um feudo. Além da descoordenação completa, há ainda as razões particulares dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, que coincidem num ponto: os dois acham que o Palácio do Planalto utiliza-se do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para persegui-los na Operação Lava-Jato, e querem vê-lo longe.
Passaram a pressionar Dilma para que não o reconduza ao cargo em agosto para um segundo mandato. Caso contrário, como comentou outro dia Cunha, a presidente viverá "um inferno" no Congresso. Esse "inferno" pode começar hoje, na votação em plenário do Senado do nome indicado pelo Planalto para o Supremo. Embora seja improvável, é possível que a ação de Calheiros nos bastidores tenha efeito, com o Senado rejeitando pela 1ª vez uma indicação para o STF por motivos políticos. Antes, porém, o recado pode ser dado na rejeição do nome do diplomata Guilherme Patriota para a OEA. Ligado ao coordenador de política externa do Planalto, Marco Aurélio Garcia, ele tem relação com a linha bolivariana predominante na América Latina atualmente, e não conta com a simpatia da maioria conservadora da base aliada do governo. Um nome desses, como o de Fachin, passaria sem problemas, apesar das questões políticas, se as relações do Planalto estivessem pacificadas com o Congresso.
Na atual situação, com um governo enfraquecido em disputa com políticos que tentam se fortalecer confrontando-o, tudo é possível. Até mesmo o governo ganhar, mas pagando um preço muito maior do que em tempos ditos normais. A ameaça que o governo está fazendo, através do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que ou o Congresso aprova o ajuste no tamanho que ele foi enviado, ou o governo ter á que elevar impostos, pode aumentar o desencontro do Planalto com o Congresso. Claro que o governo não gostaria de subir imposto, medida antipática, que prejudica a sociedade de modo geral, e o único culpado será ele. O melhor caminho seria economizar com medidas aprovadas pelo Congresso, mas, como deputados e senadores, aparentemente, não estão dispostos a assumir nenhuma medida antipática para ajudar o governo, ser á um problema. O governo terá de assumir uma parte desse sacrifício, talvez até aceitando a flexibilização do fator previdenciário para fazer um gesto popular, mas aumentando impostos e se sujeitando a críticas, inclusive do próprio Congresso.
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