sábado, 23 de maio de 2015

Merval Pereira - Caminho viável

- O Globo

Apesar da reação politicamente irracional de alguns movimentos da sociedade civil, que exigem o impeachment da presidente Dilma e acusam o PSDB de ter fugido da luta ao optar por outra ação contra o governo que não o crime de responsabilidade, as chances de sucesso da representação dos partidos de oposição por crime comum devido às "pedaladas fiscais" são muito maiores e têm base factual já comprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Além do mais, não há, no momento, condições políticas para um impeachment. O processo poderá até mesmo criar essas condições.

A petição, preparada pelo jurista Miguel Reale Jr., será entregue ao procurador-geral, Rodrigo Janot, na próxima terça-feira, mesmo dia em que grupos que querem o impeachment chegam a Brasília para uma manifestação. A opção pelo crime comum é a alternativa politicamente mais consequente, pois contorna algumas das imunidades processuais que a Constituição dá aos presidentes da República.

O presidente só pode ser processado com autorização prévia de 2/3 da Câmara dos Deputados, e não pode ser preso por crime comum antes da sentença condenatória proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Mas a principal proteção, razão pela qual o procurador-geral da República já recusou investigar Dilma no início da Operação Lava-Jato, é a chamada "relativa e temporária irresponsabilidade" pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, como está previsto no art. 86, § 4º da Constituição.

Nesse caso, há uma discussão teórica sobre se a proibição de o presidente ser "responsabilizado" por atos estranhos a seu mandato inclui a investigação do crime. Há juízes que consideram que o presidente não pode ser condenado no exercício do cargo, mas pode ser investigado.

Outros afirmam que a proteção à figura do presidente da República existe em diversos países para impedir que uma eventual investigação que o considere culpado produza uma crise institucional.

Como as "pedaladas fiscais" foram realizadas no primeiro mandato, e têm repercussão neste segundo, o procurador-geral, Rodrigo Janot, não poderá alegar as mesmas razões que o colocaram contra a investigação da presidente devido à denúncia de que a campanha presidencial em 2010 recebeu dinheiro desviado da Petrobras em forma de doação legal.

Janot pediu, e foi atendido, que o ex-ministro Antonio Palocci, que era um dos coordenadores da campanha, seja investigado pelo fato, mas alegou na ocasião que estava impedido constitucionalmente de investigar a presidente da República, com o que concordou o relator da Operação Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, pois ela era apenas candidata quando o fato teria ocorrido, e, tendo sido eleita, fica protegida de ser processada por atos cometidos antes de se tornar presidente.

As "pedaladas fiscais" do governo foram denunciadas pelo Tribunal de Contas da União, em auditoria aprovada pelo plenário. Foi constatado que o Tesouro Nacional atrasou repasses a instituições como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para pagamento de programas governamentais como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida. Por isso, os bancos estatais tiveram de usar recursos próprios para os pagamentos, o que caracterizou empréstimo ao governo federal, proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Como o TCU já considerou crime a ação, e por isso a encaminhou ao Ministério Público, os oposicionistas consideram quase impossível que o procurador-geral não aceite a representação. Se isso acontecer, o caso será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que indicará um relator entre os seus 11 ministros - que decidirá monocraticamente se autoriza a investigação.

Se houver a denúncia, o STF encaminhará à Câmara um pedido para processar a presidente da República. Nesse caso, ela será afastada da Presidência por 180 dias, até que a decisão final do pleno do STF seja tomada.

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