• Arno Augustin assumiu ser o responsável pela prática em documento assinado no final do ano passado
Vinicius Sassine – O Globo
BRASÍLIA — A presidente Dilma Rousseff poderá ser responsabilizada pelas chamadas "pedaladas" fiscais mesmo com a existência de uma nota técnica em que o então secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, assume ser o responsável pela prática. É o que afirmou ao GLOBO o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes, relator das contas de 2014 de Dilma.
— As contas não são do Arno, são da presidente Dilma. O fato de um gestor fazer não significa que ela não possa ser responsabilizada — disse Nardes.
Na análise das contas presidenciais, o foco é Dilma, e não o ex-secretário do Tesouro, segundo o ministro:
— Não são os atos de Arno que estamos analisando, são as contas da presidente. Se um assessor dela tomou uma medida em nome do governo, a responsabilidade é dela.
Reportagem do jornal "Valor Econômico" publicada nesta sexta-feira revelou a existência de uma nota técnica assinada por Arno em 30 de dezembro de 2014 em que o então secretário diz ser dele a responsabilidade por fazer a liberação e a transferência de recursos pelo Tesouro. Em 5 de janeiro, quando assumiu o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy anunciou o economista Marcelo Saintive no lugar de Arno.
A nota técnica foi redigida pela Coordenação Geral de Programação Financeira (Cofin) e pela Subsecretaria de Política Fiscal (Supof) e assinada por Arno. No documento, ele reitera que "cumpre à Supof e à Cofin procederem na operacionalização da liberação/transferência desses recursos, posteriormente à autorização de liberação pelo secretário do Tesouro Nacional".
As "pedaladas" consistiram num represamento de repasses de recursos a bancos oficiais, como forma de melhorar artificialmente as contas públicas. Os bancos precisaram arcar com o pagamento de benefícios como o seguro-desemprego e o Bolsa Família.
Em abril, uma votação do TCU concluiu que as "pedaladas" infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por terem se configurado, na visão dos ministros, como empréstimos. Dezessete autoridades econômicas foram chamadas a se explicar, entre elas Arno. Na última quarta-feira, o ministro Nardes deu 30 dias para Dilma se explicar sobre 13 indícios de irregularidades, entre eles as "pedaladas", e adiou o julgamento do parecer das contas, o que foi aprovado pelo plenário. A presidente corre o risco de ter as contas rejeitadas.
— Poderia já ter proposto a rejeição, mas acatei a ideia de abrir ao contraditório — disse Nardes ao GLOBO.
Ainda segundo o ministro, a nota técnica de Arno em nada interfere em dois apontamentos de irregularidades, relacionados ao contingenciamento de despesas. Um decreto presidencial de novembro de 2014 desbloqueou R$ 10 bilhões para os ministérios gastarem, num momento em que deveria haver um contingenciamento de R$ 28,5 bilhões. Esse fato aparece como um dos 13 indícios de irregularidades. O decreto foi usado para influenciar a aprovação pelo Congresso da alteração da meta de superávit primário, o que também foi motivo de questionamento à presidente.
– Caberia a ela fazer (o contingenciamento) e ela não fez. É uma competência privativa da presidente. Isso desatendeu a Constituição Federal e a LRF – afirmou o ministro do TCU.
Na avaliação de outros ministros do TCU inclinados a votar pela rejeição das contas de Dilma, o documento assinado por Arno não retira a responsabilidade da presidente por supostas irregularidades nas contas, em especial por conta do decreto presidencial que desbloqueou os R$ 10 bilhões. O fato mostra uma responsabilidade e uma omissão diretas de Dilma, conforme esses ministros, para quem a macro-gestão do governo planeja atos econômicos como as "pedaladas".
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