• Mesmo escondendo o principal, o BNDES revela critérios escandalosos para financiar obras no exterior com dinheiro do povo brasileiro
Leonardo Coutinho – Veja
Na semana passada, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgou uma parte das informações, até então sigilosas, referentes a empréstimos concedidos para obras de infraestrutura em Cuba e Angola. A instituição também disponibilizou os dados de contratos com outros nove países. Apesar de bem-vinda, a decisão do banco está longe do que pode ser chamado de transparência. Os dados abertos tratam apenas dos valores das operações, das taxas de juros e dos prazos de pagamento aplicados. Detalhes sobre as garantias oferecidas pelos contratantes, pareceres técnicos e análises de risco ainda continuam obscuros. A decisão do BNDES foi uma estratégia para evitar a abertura de uma CPI no Senado para investigar os contratos.
Os dados liberados pelo BNDES revelam que o total emprestado pelo banco desde 2007 é de 12 bilhões de dólares, divididos em 516 contratos. Angola foi o país que mais recebeu recursos (cerca de 3,5 bilhões de dólares), seguido pela Venezuela (2,25 bilhões) e República Dominicana (2,2 bilhões). Para quase 60% dos contratos de empréstimo, o BNDES cobrou taxas de juros mais camaradas do que costuma praticar para obras dentro do Brasil. Os angolanos, por exemplo, não conseguem no mercado internacional dinheiro a taxas inferiores a 7,5%, mas o BNDES injetou no país o equivalente a 29% de todo o montante que emprestou nos últimos oito anos com uma taxa de juros média de 5,3%. A taxa mais baixa para uma obra de infraestrutura no Brasil é de 5%. Para um país com o perfil de Cuba, segundo estudo da Universidade de Nova York, os juros deveriam ser de 12,5%, mas o Brasil concedeu 847 milhões de dólares em empréstimos a 5,4% e com prazo de pagamento de até 25 anos.
A camaradagem do governo, por meio do BNDES, tem um preço para os pagadores de impostos brasileiros. Isso porque o banco capta o recurso a custo mais alto do que repassa para as empresas que farão as obras no exterior. Os recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por exemplo, custam no mínimo 6% ao mês. No caso do Porto de Mariel, o banco cobrou apenas 5,2%. Luciano Coutinho, presidente do BNDES, está correto quando diz que o banco não perde dinheiro. Por lei, o BNDES não pode assumir o prejuízo da operação. A União paga a diferença. A chamada "equalização das taxas de juros" é, portanto, coberta com recursos públicos.
No fim de 2014, a dívida da União com o BNDES para cobrir as operações de compensação era de 26,1 bilhões de reais. Quando criticado, o governo se defende dizendo que as empresas brasileiras envolvidas nas operações geram empregos e receitas para o Brasil e que não conseguiriam conquistar esses mercados sem a ajuda oficial. O que não parece razoável é que a falta de eficiência das empresas nacionais seja premiada, que certos regimes ditatoriais sejam subsidiados e que obras de infraestrutura essenciais para o desenvolvimento do Brasil sejam negligenciadas, enquanto o dinheiro jorra para o exterior.
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