Dez anos depois
• Partido ainda vive "sob a sombra" do escândalo, afirma Tarso Genro
Sérgio Roxo – O Globo
SÃO PAULO - Há exatamente dez anos, quando o escândalo do mensalão foi detonado pelas revelações do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) sobre o pagamento de recursos a parlamentares da base em troca de apoio ao governo Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT) viveu o que pensava ser a maior crise de sua História. Apesar de não ter interrompido o projeto de poder do partido, que venceria ainda outras três eleições presidenciais, o mensalão deixou marcas profundas, que têm ligação com a situação atual, ainda mais dramática. Uma década depois, dirigentes da sigla e analistas concordam: as agruras do PT em meio à crise política do governo Dilma e à Operação Lava-Jato têm como origem o escândalo do mensalão.
O efeito imediato da revelação do mensalão por Jefferson em 6 de junho de 2005 foi a destruição de toda a estrutura de comando partidário arquitetada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que brecou os conflitos entre as tendências petistas para viabilizar, assim, a chegada de Lula ao Planalto, na eleição de 2002.
— Internamente, foi um desastre. Havia um comando consolidado no PT que foi abatido — lembra um dirigente do grupo majoritário do PT.
Para o ex-governador gaúcho Tarso Genro, da corrente opositora à de Dirceu, Mensagem ao Partido, a legenda ainda vive "sob a sombra do mensalão"! Ele avalia que o escândalo provocou um baque interno ao mostrar que a sigla recorria a métodos que sempre condenou.
— O mensalão produziu um impacto muito forte porque toda a militância do partido, suas direções e quadros intermediários, entenderam que o PT estava sujeito a ter as mesmas práticas dos partidos tradicionais. Sofrer das mesmas deformações da política tradicional, arriscando se tornar um partido comum, que derrota sua própria utopia e assume a governabilidade e o poder como essenciais — diz Tarso Genro, que assumiu a presidência do partido logo após o escândalo vir à tona, em 2005, pregando a refundação da legenda.
O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, avalia que o escândalo, ao abater lideranças petistas como Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoino, João Paulo Cunha, Silvio Pereira e Delúbio Soares, prejudicou a condução do PT.
— O partido perdeu quadros importantes, pessoas que tinham experiência e habilidade para manejar a disputa política interna e no Parlamento. Passou a ser dirigido por um segundo time — diz Carlos Melo, para quem o atual presidente da legenda, Rui Falcão, dificilmente estaria hoje no posto sem o escândalo. — Talvez a direção nacional não fosse tão frágil como é.
Líderes petistas entendem que, ao assumir publicamente a defesa de seus dirigentes envolvidos no escândalo, o partido agravou o desgaste diante da população. Num primeiro momento, sob o comando de Tarso, a Executiva chegou a aprovar uma resolução pedindo "desculpas à nação", mas, em seguida, passou a contestar provas recolhidas e os critérios do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenaram os réus, entre eles Dirceu e o ex-deputado José Genoino.
Foi também o mensalão que possibilitou que Dilma Rousseff, hoje em conflito com o PT por causa do ajuste fiscal, fosse escolhida para suceder Lula. Com amplo controle da máquina partidária, Dirceu era o aspirante natural. Mas Lula dava sinais, segundo petistas, de que o seu preferido era o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. De acordo com um dirigente do PT, o presidente mantinha certo "cuidado" na relação com Dirceu, evitando que seu poder crescesse muito. O suposto plano de Lula, porém, cairia por terra no ano seguinte, quando Palocci foi acusado da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, que o havia acusado de frequentar uma casa de lobby em Brasília.
— Surgiu mais uma janela de oportunidade para Lula, que passou a poder decidir o que bem entendesse sobre a sua sucessão. Dilma passou a ocupar um espaço como técnica sem expressão política, seja no PT ou na sociedade. Isso dava a Lula a tranquilidade de que poderia controlar Dilma como presidente da República — analisa Carlos Melo.
Tarso Genro entende que a escolha solucionou um conflito interno do partido diante da falta de um nome de consenso:
— O partido estava em crise, em meio a uma disputa entre as correntes. O presidente teve a capacidade de pacificar o partido naquele momento escolhendo a companheira Dilma, porque ela não era vinculada a nenhuma das correntes, portanto, pacificava o conflito.
O ex-governador gaúcho avalia, porém, que as consequências da escolha de uma pessoa desvinculada da vida partidária estão sendo vividas hoje pelo PT. •
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