= Valor Econômico
• É uma crise da elite do PT, não do Partido dos Trabalhadores
O PT vem se degradando, como o próprio partido demonstra quando se junta em congressos, reuniões e bancadas, fato já aqui exposto mais de uma vez. Mas não por ação dos seus quase 2 milhões de filiados, nem dos 50 milhões de eleitores que o seguem nas campanhas. Quando seu presidente de honra, o ex-presidente da República Lula da Silva lhe faz o ataque que fez em duas oportunidades nos últimos dias, está falando mais de si mesmo do que do partido.
Uma imagem criada pelo ex-deputado mineiro e sociólogo Paulo Delgado ilustra a representação das duas conversas desesperadas do ex-presidente, uma, em encontro com religiosos, na semana passada, e outra em seminário do instituto que leva seu nome, esta semana. "A fala do Lula me parece ter sido feita num quarto de espelhos".
Intelectual, estudioso do partido, ao qual vinculou seus mandatos eletivos e seu trabalho político, e do qual sempre teve uma avaliação crítica rigorosa, o sociólogo acabou criando uma referência para quem estranhou essas duas últimas reações de Lula.
O ex-presidente estaria realmente falando para si e sobre si mesmo numa iniciativa atabalhoada, ao seu estilo, porque está se vendo acossado.
Esta não é uma crise do PT, é uma crise da cúpula do PT, da sua direção, dos seus ocupantes de cargos eletivos e administrativos, dos que fizeram campanha eleitoral financiados com recursos agora sob suspeição de desvios dos cofres públicos.
São 1.586.362 filiados ao PT.
Se forem somados à presidente da República e ao ex-presidente da República os 66 deputados federais, 14 senadores, 20 ministros, 619 prefeitos, 5 governadores, não se atinge mil no que se poderia considerar direção, cúpula, comando. A crise está na elite partidária.
O ex-presidente tentou preservar-se, ficar fora do grupo que vem sendo atingido por denúncias há 12 anos, mas está vendo que os grandes escudos caíram e sua figura se aproximou do alvo.
Tal situação se coloca num momento dramático, em que o partido, a presidente no cargo e o ex-presidente chefiando uma espécie de governo paralelo no seu instituto, perderam o amálgama e, junto com ele, o elã para governar, para atuarem em conjunto, para serem um só projeto.
Há, nas duas manifestações de Lula, um claro desrespeito com todos. Como sempre. Antes, era seu jeito. Agora a intolerância ao estilo se manifesta sem pudor.
Seus adversários internos no partido, também da elite, estão todos no governo Dilma, especialmente as correntes DS e mensagem, que não têm preocupações com o exercício da solidariedade.
No domingo, Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul, agora um político tentando se plantar no Rio, falou a "O Globo" sem prestar reverência alguma a Lula; no mesmo dia, Jaques Wagner, ministro da Defesa, falou ao "Correio Braziliense", também sem referência e ambos trataram apenas de PT. No governo pontificam Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini, ministros fortes por ele marcados como aloprados, pecha que jamais os abalou. José Eduardo Cardozo, da Justiça, está fora do seu grupo e criticado por ele, agora, principalmente pela atuação da Polícia Federal.
O Instituto Lula virou praticamente um partido, e na contabilidade desse partido, presidido por Paulo Okamotto, a PF sequer sofreu contingenciamento de verbas para não ser tolhida na sua capacidade de ação. Ação contra o ex-presidente, subentende-se. Miguel Rossetto é do grupo mais à esquerda e possivelmente o mais distante de Lula entre os integrantes da elite partidária com lugar cativo à direita presidencial.
O governo vai mal, Dilma parece ter perdido substância. Mas o governo paralelo de Lula também vai mal, sem deixar muito claro ainda porque. Quem vai menos mal é o PT. A tática do ex-presidente Lula é não admitir que a crise seja da elite. Mas não há 2 milhões de petistas em crise.
Lula, como Dilma e políticos petistas da elite, resistem a aceitar a ideia do erro. Mas a crise é deles.
Esta semana surgiram informações de que o ex-presidente teria conversado com velhos amigos da Igreja, frades conhecidos e com credibilidade, que o teriam aconselhado a se acalmar, se desculpar, pois o brasileiro teria capacidade de perdoar.
O atual mea culpa de Lula, se é que se pode caracterizar assim suas manifestações, pode ser uma resposta a esses conselhos. Seria reconhecimento do erro dizer que ele próprio está no volume morto, mas jogando a presidente Dilma e o partido no mesmo lamaçal? Seria pedir perdão dizer que o partido quer cargos, quer mandatos, e que precisa se distanciar do poder? Lá isso é pedido de desculpa? Não seria Lula quem quer tudo isso?
Se for esse o ato de contrição, está inadequado. Ele agravou a situação da presidente Dilma para desagravar a sua.
Admita-se que o recado contido nas duas manifestações seja um pedido de desculpas no momento em que a desconstrução do seu governo o vai demolindo mais do que tem demolido o governo Dilma.
Há, porém, descrentes contumazes, para os quais os dois discursos da semana já fazem parte do arsenal Lula 2018. O ex-presidente estaria montando o palanque, o velho apelo da vítima, com a tentativa de desvincular-se do enorme desgaste partidário para iniciar a sua nova corrida eleitoral. A ideia seria, primeiro, testar sua invencibilidade, depois testar o discurso. O autoflagelo é recurso do seu arsenal eleitoral, agora em nova construção.
Os senadores do PT entraram nessa e divulgaram ontem uma nota de solidariedade a Lula, como se ele estivesse sendo atacado e não atacando. O governo não reagiu. Dilma fez uma brincadeira sobre o assunto com a imprensa. E o presidente do PT, Rui Falcão, mistério em pessoa, não teve opinião. Esse foi o saldo do primeiro dia após a nova tática exibida no picadeiro.
O volume morto, expressão que o ex-presidente aprendeu, junto com o resto do Brasil, por causa da seca na Cantareira, e estava demorando a usar, veio à cena para aliviar, dar um charme à sua autocrítica. A presidente Dilma, realmente, pode estar no volume morto, com um governo em extrema dificuldade, com os indicadores da economia e da política, ao mesmo tempo, péssimos, pouca criatividade, pouca iniciativa, pouca capacidade gerencial. Mas Lula, não. O que se vê, ao seu redor, não é seca, é abundância.
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