- O Estado de S. Paulo
A presidente Dilma Rousseff tenta uma nova arrancada às vésperas das manifestações de domingo e recorre a todos os combustíveis à sua mão, de Lula a governadores, de ministros a movimentos sociais, de reuniões em palácios a palanques a céu aberto. Nada comparável, porém, ao providencial empurrão do presidente do Senado, Renan Calheiros.
Foi ele, Renan, quem levou ao governo um pacote de 27 projetos que os aliados classificam de salvadores da pátria, mas que pretendem mesmo é salvar o mandato de Dilma. Dois terços das medidas já tramitam no Congresso, mas o fato de o presidente do Senado estender a mão para a cambaleante Dilma é um fato político relevante. E essa mão estendida é deveras curiosa.
Antes de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, chutar de vez o pau da barraca, ele e Renan disputavam quem provocava mais o Planalto, quem poderia lhe causar mais problemas e até quem dirigia os maiores desaforos a Dilma. Nesse campeonato, pau a pau, Renan ora dizia que o governo Dilma era “adolescente”, ora que “envelheceu”, ora que vivia “uma paralisia”.
E ninguém esquece quando ele jogou de volta para o Planalto, estridentemente, a medida provisória da desoneração da folha de pagamento das empresas, essencial ao ajuste fiscal. Dilma foi obrigada a trocar a MP por um projeto de lei, que depende de votação antes de entrar em vigor, e, mesmo assim, o projeto andou. Despachado para duas comissões do Senado, nem relatores ele tem até agora.
Pois é, como é a vida... Ou melhor, como é a política... Renan devolveu um projeto-chave, de certa forma engavetou o projeto substituto e, agora, paga com 27 outros que agradam ao Planalto. Pagou a dívida com juros e correção monetária compatíveis com os juros de Dilma e com a crise na economia.
Por isso, entre tantas interrogações em Brasília, a mais nova e mais maliciosa faz sentido: afinal, o que está por trás dessa guinada de Renan Calheiros? Há mil e uma hipóteses, fofocas e interpretações, mas só dois lugares têm a verdadeira resposta: o Palácio do Planalto e a presidência do Senado.
Para as boas almas, Renan deu a guinada pró-Dilma porque, como bom patriota, faz tudo pelo bem da Pátria e felicidade geral da Nação. Para almas nem tão boas assim, Dilma e Renan teriam negociado um velho e bom toma lá dá cá, mas, desta vez, não simplesmente a troca de favores, verbas e cargos.
O que alimenta essas suposições? É que, de um lado, Renan Calheiros está citado na Lava Jato e, de outro, Dilma cambaleia com as pedaladas fiscais. Renan tem foro privilegiado e seu destino está nas mãos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que, ora vejam, acaba de ser indicado por Dilma para um novo mandato. E Dilma está com as contas do primeiro mandato penduradas no Tribunal de Contas da União, onde, ora vejam, Renan tem pelo menos três bons companheiros (ou votos?).
De quebra, o filho do senador, Renan Filho, é governador de Alagoas. Se o Rio Grande do Sul chegou ontem ao ponto de anunciar o calote na União e os demais Estados estão em petição de miséria, imaginem como não estará Alagoas, pobre coitada. Uma mãozinha federal não é nada mal. Uma mão lava a outra, não é mesmo?
O movimento de Renan virou o principal fato político desses tempos já tão recheados de grandes fatos políticos. Ele, que tinha insinuado sua guinada para Dilma no jantar entre tucanos e pemedebistas, semana passada, consegue três resultados: faz um contraponto com Eduardo Cunha, um na linha de frente da oposição e outro na do governo; radicaliza a divisão entre Câmara, no ataque, e Senado, na defesa; embola o meio de campo no PMDB, onde cintila a saída constitucional mais legítima em caso de afastamento de Dilma: o vice Michel Temer. Além disso, Renan aborta a aproximação do PMDB com o PSDB. Pelo menos por ora.
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